Papo de Maluco - Parte II

Língua Portuguesa
Lycio Faria


Parte II (Clique aqui e leia a Parte I)



- Professor, eu gostaria que o senhor me desce uns exercícios para mim fazer...
- ...para eu fazer.
- O senhor não precisa, já é professor.
- Então, escreva quinhentas vezes: "Para eu fazer a redação, foi a ordem do professor. Para mim, fazer a redação não foi fácil".
- Cê está mangando de novo comigo? Me diz que "para mim fazer" está errado e me manda escrever "para mim fazer a redação". Homessa! (esta eu já aprendi.)
- Repare na vírgula, ela, no caso, faz toda a diferença.
- Ah, professor, vamos deixar as vírgulas para depois, porque elas me odeiam. Ou sobram, ou faltam e nunca estão onde deveriam estar.
- Está bem, está bem, mas uma coisinha só, por ora: Geralmente não se usa vírgula antes de "ou".
- Anotado.
- Uma outra coisa que já me ia escapando: O "desce" que você escreveu para me pedir um exercício é do verbo descer. O certo, naquele caso, é desse, do verbo dar.
- Desse! Se o verbo é dar, o normal não seria "dasse".
- Não, porque o verbo é irregular.
- Este mundo é injusto mesmo. Rico pode cometer qualquer irregularidade sem sofrer coisa alguma. Para eles, até verbo irregular é certo! Já se o pobre faz qualquer coisinha irregular, todo mundo desce o pau nele.
- Você já está melhorando. Esse seu último desce está corretíssimo.
- Eu não disse? Descer o pau na gente é correto ou melhor corretíssimo.
- É triste, mas é assim. Agora, voltando às vírgulas, nessa sua última frase, a expressão "ou melhor" deve ficar entre vírgulas.
- Mas não foi o senhor mesmo que mandou não colocar vírgula antes do "ou"?
- Eu disse geralmente. Aquele caso é uma exceção.
- Exceção ou excessão?
- Exceção, excessão não existe.
- Como não existe? Que nome o senhor dá a um excesso muito grande? Como nesse caso das vírgulas, que geralmente não se pode usar antes de "ou", mas quando pode são logo duas, de cambulhada. É um excesso, ou melhor, um excessão.
- Você quer aprender a língua mater ou quer criar uma língua nova?
- Desculpe, professor, mas há horas em que eu não consigo aceitar como regras coisas verdadeiramente esdrúxulas.
- Parabéns! Uma frase inteira sem um erro. O há está certo, horas também e até um vocábulo não muito comum - esdrúxulas - foi adequadamente usado e sem falha ortográfica (o que é raro).
- Obrigado. Mas o senhor não concorda que há regras meio esquisitas?
- Esquisitas!?
- É, o gênero das palavras, por exemplo. Por que banco é masculino e cadeira é feminina? Tem lógica isso?
- Não é questão de lógica, é questão de uso. As regras não são inventadas pelos gramáticos, elas surgem naturalmente, com o tempo. Os gramáticos apenas as codificam para facilitar o aprendizado.
- Facilitar?!!! Cê está mangando novamente. Veja, por exemplo, (mais uma vez) o caso
da grama planta e da grama peso.
- Grama peso não é a grama é o grama.
- Viu? Só para complicar. Está na cara que a grama, mesmo peso, é feminina. Uma verdadeira Roberta Close da língua. Os gramáticos é que a vestiram de menino, desde a infância e insistem em querer que as pessoas acreditem que ela é macho. Uma violência, um abuso de autoridade. O senhor já viu alguém pedir quinhentos gramas de carne de cabra no açougue? Se pedir assim, na certa vai levar carne de bode...
- Dai-me paciência, meu Deus!

CONTINUA...


Comentários

  1. Adorei isso, professores deveriam ensinar assim. Quem sabe eu seria melhor no português?
    Sou um desastre.
    Beijão.
    sil.

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