Os Pré-Socráticos: A História do Pensamento ou A Origem da Filosofia



É difícil precisar o instante - se é que houve um - em que a história do pensar começou. Poderíamos arriscar que, talvez, os mitos e as lendas nos chegaram como primeiras tentativas de explicação do mundo e seus fenômenos, mas seria uma empresa um tanto quanto arriscada. Estudiosos, a fim de encontrar um marco zero, elegeram como ponto de partida os séculos VI e V antes de cristo, quando homens como Sócrates (Grécia), Buda (Índia) e Lao-tsé (China) instauram um pensamento mais aberto à nossa compreensão. Os deuses vão perdendo seu papel de origem de todas as coisas, ou seja, o pensamento mitológico dá espaço ao pensamentto racional.



O NASCIMENTO DA FILOSOFIA


O nascimento da pólis e do pensamento racional

Uma nova maneira de pensar e de conceber o mundo origina-se e se desenvolve na Grécia clássica (pequenas comunidades espalhadas junto ao Mediterraneo: da Jônia, na Ásia Menor, até o sul da Itália, tendo no centro a Grécia). Apesar da geografia dispersa a Grécia Antiga tem uma cultura relativamente homogênea, que se expressa na língua comum, na forma de organização políticas e nas crenças semelhantes. A essa unidade chamamos de Civilização Helênica. Em 1600 a.C a Grécia começa a ser ocupada por povos que o poeta Homero, mais tarde, chamaria de aqueus.

Esses povos fundaram comunidades que guerreavam entre si e instauraram a conhecida "idade das trevas". É o fim da unidade política, início de desarmonia entre classes e a desordem entre os povos. Para restaurar a ordem impõem-se a organização das pólis e com elas uma nova forma de organização social e política. O comércio renasce e as aldeias, antes distantes e de certa forma isoladas,  se aproximam (o que acaba por dissolver as antigas linhagem tribais) numa espécie de "globalização local". A sociedade torna-se mais complexa e suas características, segundo o historiador e sociólogo francês Jean-Pierre Vernant, são a supremacia do logos (que significa 'palavra', 'discurso' e 'razão'), pois a decisão sobre assuntos públicos depende agora da força das palavras dos oradores e do caráter público das discussões políticas (as leis são elaboradas em conjunto e depois escritas para que todos, a escrita deixa de ser privilégio de poucos, as conheçam. OBS: Entenda-se que "todos" não incluiam mulheres, crianças, escravos e estrangeiros.) Na pólis, com os cidadãos em pé de igual, vence quem sabe convencer... É preciso valer-se exclusivamente do raciocínio e da correta exposição de ideias - em suma, do logos. Essa fórmula de raciocinar, de falar e até de polemizar não se limita a política, porém. Passa a ser o critério para pensar qualquer coisa! (ABRÃO, 2004, p.17-18).

Esse novo modo de pensar, racional e filosófico, é considerado oposto ao pensamento mítico. É como se na Grécia Antiga do séc. VI a.C o homem tivesse se libertado da mitologia e da religião para se afirmar e se desenvolver racionalmente [1]. Porém, muito antes da instalação das pólis a Grécia já era marcada por uma vida cultural intensa, o que, segundo Vernant, mostra que a relação entre mitos e logos é muito mais complexa, ao que afirma "os filosofos não precisaram inventar um sistema de explicação do mundo: acharam-no pronto" (idem). Vernat assim o diz citando Hesíodo - em sua Teogonia -  como exemplo de que os primeiros filósofos também buscavam uma explicação para a relação entre o caos e a ordem do mundo, o que muda é a forma de entender essa relação.

Na Grécia antiga, entre os séculos VIII e V a.C, empreendia-se, então,  a busca pela sociedade justa e pelo pensamento racional, livre de preconceito e dessa procura originam-se, de um lado, a democracia e, de outro a filosofia. Porém, a democracia grega, principalmente a de Atenas, é o resultado de lutas sucessivas, sendo que a democracia representa um frágil e tenso equilíbrio entre as várias camadas sociais. Diante da democracia a filosofia mantém uma postura nem sempre favorável,  pois se desenvolve na busca de um outro modo de pensar que busca uma lei universal, acima de todas as coisas, que explique o mundo sem recorrer a forças místicas ou divinas, ainda presente na cultura helênica, mas agora forjada para explicar as fatalidades a partir da ideia de que os "deuses abandonaram os homens".




PRÉ-SOCRÁTICOS: OS PRIMEIROS FILÓSOFOS


Os Physiologoi
Os primeiros filósofos de que dá conta a história são chamados de pré-socráticos, obviamente por terem surgido antes de Sócrates - considerado o grande marco da filosofia ocidental. Tales, Anaximandro e Anaxímenes formam a chamada escola de Mileto (eixo da cultura helênica até 494 a.C) e, apesar das diferentes ideias que elaboraram, estão unidos por inaugurarem a filosofia a partir da mesma questão: O que é physis? Por esse motivo, mais tarde Aristóteles iria denominá-los physiologoi - "fisiólogos", ou seja, estudantes da physis.

A palavra physis pode ser traduzida por 'natureza', mas seu significado é um pouco mais amplo, pois refere-se ainda à realidade, realidade não pronta ou acabada, mas a que se encontra em movimento e transformação, àquela que nasce e se desenvolve.

Nesse sentido, a palavra significa gênese, origem, manifestação. Saber o que é a physis, assim, levanta a questão da origem de todas as coisas que constituem a realidade, que se manifesta no movimento. Procura saber se há um princípio único (arkhé, que também quer dizer "comando") que dirija e ordene todas as coisas do mundo, em seus diversos  e contraditórios aspectos. É desses temas que vão se ocupar os primeiro filósofos. (ABRÃO, 2004, p.24)

Como vimos, Tales, Anaximandro e Anaxímenes partiram da mesma questão para explicar as coisas do mundo, mas elaboraram diferentes teorias. Ainda que suas explicações esbarrem em dificuldades - a busca por um princípio único de todas a coisas é conflitante -  essas dificuldades são próprias da filosofia que buscando explicar as coisas se desenvolve tentando resolver as questões que daí surgem. Esses primeiros filósofos e seus esforços em buscar o princípio único da explicação do mundo, "não só constituiu o ideal mesmo da filosofia como também forneceu-lhe o impulso para desenvolver-se" (2004, p. 26). Vejamos suas ideias:

TALES: Considerado pela tradição clássica o primeiro filósofo, Tales concebeu que a physis teria como único princípio "a água", presente em tudo. Em outras palavra, para o filósofo "tudo se origina da água". Segundo ele, a água, ao se resfriar, torna-se densa e dá origem à terra. Ao se aquecer transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva e desse ciclo (vapor, chuva, rio, mar, terra) nascem as diversas formas de vida.

ANAXIMANDRO: Para ele, o princípio da physis é o ápeiron, que pode ser traduzido como "indeterminado ou ilimitado.  Eterno o ápeiron está em constante movimento e daí resulta uma série de pares opostos que constituem o mundo: água e fogo,  frio e calor, etc. Assim, o ápeiron é algo abstrato que não se fixa diretamente em nenhum elemento palpável da natureza.

ANAXÍMENES: Meio termo entre Tales e Anaximandro, para esse filósofo o que comanda o mundo é o "ar". O princípio da physis é o ár e através de seu movimento tudo provém: o ar é respiração e é vida; o fogo é o ar rarefeito; a água, a terra, a pedra, são formas cada vez mais condensadas de ar.



Matemática: A harmonia universal
A vida cultural de Mileto acaba em 494 a.C, quando a cidade é destruída pelos Persas e o eixo da cultura helênica desloca-se para a Magna Grécia, no sul da Itália. Ali floresce o pensamento de Pitágoras e seus discípulos.

PITÁGORAS:  O pitagorismo representa um marco decisivo no desenvolvimento do pensamento racional e científico através da matemática, que tornou-se a partir de então uma ciência pura. Para os pitagóricos o homem precisa identificar-se com o divino para eliminar conflitos e se salvar. Chega-se a isso pela contemplação teórica, que vislumbra, por trás dos conflitos, a harmonia. A harmonia está presente, por exemplo, na música, um dos elementos-chave da prática ritual do orfismo - culto base da seita fundada por Pitágoras.

Conta-se que Pitágoras teria descoberto que as variações do som dependem do comprimento da corda. É uma relação proporcional simples (não para mim): se o comprimento da corda for diminuído à metade, o som torna-se mais agudo (vai uma oitava acima); um acorde (ou harmonia) mais simples é produzido quando o comprimento das cordas está na razão 3:4:5. A música, em suma, é uma relação numérica. Quando soa desagradável (sem harmonia), é porque a relação entre os números não se encontra numa proporção justa. Os pitagóricos vão estender para todas as coisas esse entendimento da música. A harmonia está, então, entre os pares: reto-curvo, bem e mal, homem-mulher, luz e escuridão, etc. Enfim, a inexistência da harmonia é a responsável pela desordem do mundo, tanto em relação ao biológico, quanto no âmbito moral e político.




Éfeso e Eléia
No século V a.C a Grécia (Atenas) entra em guerra com a Pérsia e o centro das investigações filosóficas dividem-se em dois: Éfeso (Grécia asiática) e Eléia (sulda Itália). Também as ideias filosóficas dividem-se e em direções opostas, ainda que partindo da mesma questão dos primeiros filósofos: a existencia de um princípio único que explique o mundo em seus diversos aspectos. Em Éfeso, com o filósofo Heráclito a resposta é a de que os contrários formam a unidade. Já em Eléia, o filósofo Parmênides diz que os contrários jamais podem coexistir.

HERÁCLITO: (Éfeso) Transforma em solução o que era problema, pois para ele o mundo explica-se através das suas mudanças e contradições. Todas as coisas opõem-se umas às outras, e dessa tensão resulta a unidade do mundo. Para Heráclito a harmonia nasce da própria oposição: "O divergente consigo mesmo concorda; harmonia de tensões contrárias, como de arco e lira". A divergência e a contradição não só produzem a unidade do mundo, mas também a sua transformação - o mundo é como um fogo etérno, sempre vivo e "nenhum deus, nenhum homem o fez".

PARMÊNIDES: (Eléia)  Ao contrário de Heráclito procura eliminar tudo o que seja variável e contraditório. O ser é o ser e só o ser existe. O pensamento de Parmênides inaugura a metafísica (por não se contentar com a aparência das coisas e buscar algo que estaroa "por trás" dessa aparência física, ou seja, a essência) e a lógica (o prinxípio da não-contradição existente no ser, que é, e no não-ser, que não é). O pensamento de Parmênides é levado ao extremo por ZANÃO, seu discípulo adpto dos paradoxos.




O movimento e o átomo
 O rigor do pensamento de Parmênides  e de Zanão  levou a filosofia a um impasse: "se pelo raciocínio lógico, é perfeitamente admissível a inexistência da pluralidade das coisas e do movimento, por outro lado, pela experiência citodiana, torna-se difícil descartá-los sumariamente como meras ilusões dos sentidos e das opiniões" (p. 34). Na tentativa de conciliar o conceito de um ser único e imóvel com a de pluralidade e de movimento surgem os filósofos EMPÉDOCLES e ANAXÁGORA de um lado e LEUCIPO e DEMÓCRITO de outro.  



Os sofistas
Com a vitória de Atenas sobre os Persas (479 a.C), marca-se a consolidação da democracia na cidade, cuja base está na educação que torna os cidadãos capazes de participar da vida pública. "Numa sociedade em que os debates se dão por meio de palavras, é preciso ser um bom orados, saber argumentar", e dessa educação encarregam-se os chamados sofistas, que cobravam por seus ensinamento.

Os sofistas (literalmente "sábios") são estrangeiros, não tinham participação na vida pública democrática da cidade (não eram considerados cidadãos da 'democracia ateniense' os estrangeiros, as mulheres, os escravos e as crianças), logo não se importavam com as posições  convenções políticas em seus ensinamento. Atentavam somente à arte da argumentação, do bem falar e expor suas ideias. Mas não eram meros mercenário os sofistas, não se importavam com o conteúdo, ou a verdade, porque acreditavam que tudo no mundo humano é criação humana, convenções cujos valores e verdades eram instáveis e relativos. A própria linguagem, na concepção desses, não passava de convenção, portanto sem poderes para expressar a verdade, a não ser as verdades relativas de cada um. Tal qual ouvi certa feita em uma palestra: a verdade não passa de uma perspectiva, de um ponto de vista.

Essas ideias abalaram os filosofos que buscavam a verdade e passaram a considerar os sofistas como "não-amigos" e o termo sofista ganhou uma conotação de "demagogo" e sofisma de "argumento falso". Os sofistas, odiados na Grécia antiga, procuraram acumular conhecimento e saberes de diversas áreas, mas detiveram-se e destacaram-se mais na linguagem, pois consideravam que "a linguagem é a única força que têm os homens"! PROTÁGORAS foi o primeiro e mais famoso dentre os sofistas, sendo conhecidos também HÍPIAS e GÓRGIAS.






 [1] apesar de minhas considerações já expostas sobre  religião - vide Hipátia e Educação com Redenção -  não sou eu que o digo aqui. As ideias dessa postagem são do livro "A história da Filosofia" da editora Nova Cultura)



Comentários

  1. Sensacional o artigo, está de parabéns!

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    1. ALO VC PELO MENOS LEU ESSE LIXO













      ZUERA O ARTIGO ESTA MUITO BOM MESMO

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  2. Muito bem elaborado e explicativo, de boa qualidade e embasado. parabéns.

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