Intertextualidade e hipertexto


Com a instauração da era digital, muito se tem falado em hipertexto. Os desenvolvimentos tecnológicos do século XX trouxeram, sim,  grandes mudanças e a literatura, mais uma vez, vê-se no cerne das discussões, ameaçada agora pelo advento dos hipertextos caracterizados hoje pelos hiperlinks. Mas a idéia de hipertexto não nasce com a Internet, assim como para o texto literário não configura, a hipertextualidade, novidade de todo desconhecida, fato que configura controvérsias a respeito do conceito hipertexto. Enquanto para alguns autores o hipertexto acontece apenas nos ambientes digitais, sendo a internet o meio hipertextual por excelência - uma vez que toda sua lógica de funcionamento está baseada nos links -, para outros teóricos a hipertextualidade da informação independe do meio. Pode acontecer no papel, por exemplo, desde que as possibilidades de leitura superem o modelo "tradicional contido" das narrativas contínuas - com início, meio e fim. A partir do pressuposto da possibilidade de narrativa não-linear, há ainda estudiosos que tomam a literatura como precursora dos considerados novos modos de escrever.

O termo hipertexto, segundo conceito contemporâneo, está assim exposto na inciclopédia digital Wikipédia :


Hipertexto é o termo que remete a um texto em formato digital, ao qual se agregam outros conjuntos de informação na forma de blocos de textos, palavras, imagens ou sons, cujo acesso se dá através de referências específicas denominadas hiperlinks, ou simplesmente links. Esses links ocorrem na forma de termos destacados no corpo de texto principal, ícones gráficos ou imagens e têm a função de interconectar os diversos conjuntos de informação, oferecendo acesso sob demanda as informações que estendem ou complementam o texto principal.

Sabe-se, porém, que o termo hipertexto teve como conceito primeiro nas reflexões do teórico Roland Barthes, que concebeu, em seu livro S/Z (1970), o conceito de "Lexia" que seria a ligação de textos com outros textos. De acordo com Roger Chartier as primeiras manifestações hipertextuais ocorrem nos séculos XVI e XVII através dos manuscritos e da marginalia. Os primeiros sofriam alterações quando eram transcritos pelos copistas e assim caracterizavam uma espécie de escrita coletiva. Os segundos eram anotações realizadas pelos leitores nas margens das páginas dos livros antigos, permitindo assim uma leitura não-linear. Gerárd Genette desenvolve sua análise sobre sobre as relações textuais, entre elas o hipertexto, através da analogia entre os antigos pergaminhos de couro, os palimpsestos - cujas inscrições eram sobrepostas após a raspagem do texto anterior. Assim inaugura seu livro - Palimpsesto: a literatura de segunda mão:


Um palimpsesto é um pergaminho cuja primeira inscrição foi raspada para se traçar outra, que não a esconde de fato, de modo que se pode lê-la por transparência, o antigo sob o novo. Assim, no sentido figurado, entenderemos por palimpsestos (mais literalmente hipertextos), todas as obras derivadas de uma outra obra anterior, por transformação ou por imitação. Dessa literatura de segunda mão, que se escreve através da leitura o lugar e a ação no campo literário geralmente, e lamentavelmente, não são reconhecidos. Tentamos aqui explorar esse território. Um texto pode sempre ler um outro, e assim por diante, até o fim dos textos. Este meu texto não escapa à regra: ele a expões e se expõe a ela. Quem ler por último lerá melhor. (GENETTE, 2006).
Independente das variantes na conceituação de intertextualidade e hipertextualidade, o pressuposto inconteste parte do dialogismo bakhtiniano, segundo o qual todo discurso é essencialmente dialógico porque “sempre responde (no sentido lato da palavra), de uma forma ou de outra, a enunciados de outros anteriores”. (BAKHTIN, 2010, p. 319). Na linha bakhtiniana segue a concepção de Gerárd Genette, como exposto na sua explicação sobre o palimpsesto, e que aqui adotamos como base: “o hipertexto é todo texto derivado de um texto anterior” (2006, p. 15). Para Olinto, uma das novas condições para a noção de texto na era digital diz respeito à maneira de compreender a articulação entre elementos e passagens do texto em esferas fora do âmbito de sua escrita (2003, p.69). O Hipertexto, no conceito da autora, distingue-se pela “organização multilinear”, pois não definem fronteiras. Inseridos numa rede de outros textos, eles libertam a literatura da ideia de objeto absoluto, pois os textos passam a apresentar um “caráter mutante” e o leitor “circula livremente e desenha caminhos possíveis” (idem, p.70).


Arquivo Cultura de Travesseiro
Gerárd Genette - Palimpsestos: A Literatura de Segunda Mão
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