“Essas não são as putas que a sociedade quer ouvir”


"A articulação das trabalhadoras sexuais para lutar por seus direitos e combater o estigma da profissão não é uma novidade no Brasil. Mas ganhou muita repercussão com as redes sociais, graças a ativistas como Monique Prada. Prostituta e feminista, Monique expõe, neste misto de ensaio e manifesto, as ideias que servem de base para o “putafeminismo”, um movimento que dá voz às trabalhadoras sexuais e fortalece a luta dessas mulheres por direitos e contra a opressão, sem que para isso precisem abrir mão de seu trabalho ou se envergonhar dele. Neste livro de estreia, Monique fala sobre suas primeiras experiências com o sexo casual, aos 15, a entrada no mundo da prostituição, aos 19, quando ainda trabalhava como estagiária em um escritório de advocacia, e a descoberta do feminismo, que a transformou em ativista, em putafeminista".

Em maio, também mês das mulheres (seja ela a Maria que for), eu fui presenteada com um livro pela passagem de meu aniversário. Não, não estava de aniversário, pois sou uma capricorniana filha de janeiro. O propósito do presente era simplesmente justificar a querideza do gesto de uma mulher amiga que sabe de minhas lidas e compromissos com ideologias que me asseguram, sem me assegurar, o status de mulher feminista sempre em movimento e formação. Dias chuvosos, para muitos, sobretudo para os que trabalham na rua, é um tormento, para os que trabalham em casa, um alento, pois nos permitem o revolucionário ato de ler, sem culpas capitalistas. Assim, com chuva, curiosa e sem muito capital que não o simbólico,  iniciei a leitura de PUTAFEMINISTA, de Monique Prada, coleção Baderna, da editora Veneta (2018).

Monique Parada, escritora, é apresenta ao leitor na contracapa: “é trabalhadora sexual, feminista, ativista pelos direitos das prostitutas, coeditora do projeto MundoInvisível”... e por ali segue com outras tantas atividades exercidas por essa mulher que para muitos será definida e reduzida ao primeiro exercício - Puta. Sim, ela é “mais uma puta” que lança um livro só que ao tempo em que lança um movimento, “o putafeminismo” que alerta para o fato de que mulheres trabalhadoras sexuais podem (lhes é direito) também serem feministas. O movimento, e a obra desta puta pensante, é um convite a reexaminarmos quantas cabem na palavra FEMINISMO - quantas estão incluídas no nosso ativismo feminista? A recorrente presunção da salvação de mulheres prostitutas (e aqui quantas são incluídas na concepção depreciativa machista?) defendida por muitas de nós, acaba por dificultar a luta destas que buscam inclusão, segurança, direitos, regulamentação, respeito. Aprendi a lição já nas primeiras páginas do livro presente.


"A defesa do ideal higienista por algumas mulheres resulta na perda, por outras mulheres, do direito de sustentar a si mesmas e suas famílias. É interessante notar que a utopia dita feminista de erradicar a prostituição tem imenso apoio do Estado, dos governos, da Igreja e da sociedade em geral, enquanto outras lutas feministas, como a legalização do aborto ou equiparação salarial entre homens e mulheres, são duramente combatidas por essas mesmas forças.”


O prefácio impactante de Amara Moira imediatamente nos desafia a reflexões que requerem pausa na leitura, o livro que leio será um livro de pausas, já o percebi. A cada parágrafo, questões que perpassam os debates linguísticos, as ações de movimentos de esquerda, as discussões acerca de feminismo e ativismo, o machismo a que estão assujeitadas solitariamente as putas excluídas pela luta feminista, as próprias noções marxistas de classe surgidas da leitura e expostas na escrita inaugural de Amara nos revelam que esta não será uma “simples” obra sobre prostituição, será uma complexa avalanche (ameaçadora?) sobre nossos “seguros” castelos ideológicos de areia. E eu compartilharei cada parede em ruína e cada novo tijolo empilhado nesta desconstrução construtiva. Segue a leitura, segue a desconstrução. Obrigada, mulheres que me suportam (dão suporte)...Obrigada Monique! 

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