Papo de Maluco - Parte Final

Língua Portuguesa
Lycio Faria


Parte III - Final (leia aqui a Parte I e a parte II)

- Não se desespere, professor, eu vou melhorar. Estou me esforçando. Até Já comprei um computador para registrar regras. Daqui para a frente eu computo tudo e...
- ...computar é verbo defectivo, não possui a primeira pessoa do singular do presente do indicativo.
- Como? Que regra safada é essa? O Senhor disse que as regras se formam naturalmente, com o tempo, e computar é uma palavra ainda na primeira infância. Não houve tempo para regra nenhuma se formar naturalmente. Por analogia também não pode ser, pois não são defectivos os verbos compactar, compactuar, compadecer, compaginar, comparar, comparecer, compassar, compatibilizar, compelir, compenetrar, compensar, competir, compilar, completar, complicar, compor, comportar, comprar, compreender, comprimir, comprometer, comprovar, compulsar. É invencionice dos gramáticos, pura e simples.
- Nada disso, a questão não é de analogia, é de eufonia. Aquele tempo do verbo computar é desagradável ao ouvido.
- Muito delicadas essas suas aurículas. Por que, então, não são desagradáveis os verbos disputar, ruputar, imputar? Para não falar no deputar, uma prerrogativa democrática obtenível apenas pelo voto.
- Eu estou quase desistindo. Você não quer aprender coisa nenhuma. Você já é muito sabido e só quer se divertir. Um verdadeiro lúdico Ladino. Por que você não entra para a política? Você iria longe...
- Não mude de assunto, professor, fiquemos na gramática. Há muitas dúvidas que eu preciso dirimir para iniciar o romance que já tenho engendrado em minha cachola.
- Você pretende ser romancista? O gênero parece simples, mas é muito complexo, a partir do título.
- Nada disso, professor, isso é até o mais simples. Meu romance de estreia terá por título Marimbondos de fogo...
- ..isso é plágio. Já existe romance famoso com esse título.
- O Senhor não me deixou terminar, os meus marimbondos são de fogo-fátuo. Sobre estes ninguém ainda escreveu. É um romance esotérico.
- Ah, então você está feito. Marimbondos e esoterismos são passaportes garantidos para a Academia Brasileira de Letras. Mas voltemos à gramática. Que dúvidas você ainda deseja que eu o ajude a dirimir?
- A nível de...
- ...pelo amor de Deus, não use esse modismo. Ele é execrável. "A nível de" mau gosto, ele só é comparável e seu coirmão "enquanto isso", "enquanto aquilo".
- Mas, professor, essas expressões eu as aprendi na mídia...
- Eu sei, eu sei, esse é um dos tormentos dos que amam a nossa língua mater. Muitos (aliás, muitíssimos) midiáticos não a respeitam e a desfiguram irresponsavelmente. Talvez por isso é que é cada vez mais difícil as pessoas aqui se entenderem.
- Se é assim, professor, eu desisto. Vou passar a fala inglês. É uma língua muito mais simples. Você encontra um conhecido na rua e pergunta: - Como você faz? (How do you do?). Ele responde, risonho: - Multa, obrigado.(Fie, thanks). E todo mundo se entende.

FIM

Comentários