Papo de Maluco...

Encontrei um texto muito bacana escrito pelo carioca Lycio Faria. Lycio nasceu em 1927 no Rio de Janeiro e depois de aposentar-se do serviço público passou a escrever. O escritor publicou cinco livros: O Destino e outras histórias; O Fim do Mundo e outras histórias; Jovem Turista Vê o Rio de Janeiro; O Elogio da Mentira e outras histórias e Mídia, A Moderna Esfinge.
Eu adorei os textos dele, confira...


Língua Portuguesa
Lycio Faria


Parte I


- Professor, socorro! Eu preciso de sua ajuda. Tenho muitas idéias que dariam ótimos livros, mas não consigo dominar a língua mater.
- Não seja modesto, sua frase está muito boa. Os puristas exigiriam itálico ou negrito em língua mater, porque a expressão é latina, mas isso já seria um preciosismo.
- Não é questão de modéstia. Hora eu escrevo certo, hora não.
- Realmente, esses "oras", por exemplo, não têm aga.
- Como acim? Hora não tem agá?
- Hora tem agá, mas ora não tem agá. São palavras homófonas, mas não homógrafas. E assim escreve-se com dois esses e não com cê.
- Cê tá mangando comigo? Acim não é o masculino de acima?
- Não, uma coisa nada tem a ver com a outra.
- Anotado. Eça eu não erro mais.
- Então, anota também que essa é com dois esses.
- Mas Eça de Queiroz, não é um autor famoso, no qual ce pode confiar?
- De fato, no Eça de Queiroz pode-se (com esse) confiar, mas o essa que você escreveu não é o do Queiroz.
- E porque o Queiroz pode escrever Eça e eu não posso? Só porque ele é famoso?
- Não é questão de fama, é questão de ortografia. O Eça do Queiroz é nome próprio e o seu "essa" é um pronome.
- Quer dizer que pronome dele pode e pro meu não pode? Porque?
- Porque, não, por que, porque a frase é interrogativa.
- Ha... agora entendi. Se a frase é interrogativa eu não posso usar Eça, mas se for afirmativa posso. Omeça! Que coisa esquisita.
- Homessa é com agá e com dois esses e no ah que você usou, o agá vem depois da vogal. Se o agá vem antes da vogal é do verbo haver.
- E o que eu tenho haver com isso?
- Haver, não, a ver...
- Como a ver? O senhor mesmo não disse que se é verbo é com agá? E ver não é verbo?
- Ver é um verbo, mas a ver não...
- Esquessa, professor, isso está ficando muito complicado. Daqui por diante eu não uso mais nem eça nem essa, só vou usar esta.
- Mas esta e assa não são sinônimos perfeitos. E esqueça não é com dois esses.
- Como não, se a expressão é afirmativa?
- Está bem, use o esta, se preferir. Há tanta gente que não percebe a diferença entre esta e essa que eventual má utilização quase não será notada.
- Notada ou anotada?
- Notada, percebida, constatada. Notou a diferença?
- Ah...notei.
- Graças a Deus!


CONTINUA....


Comentários

  1. Angela querida,
    Seu Blog é sempre um deleite cultural!!!
    Beijos... Dani

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  2. Dani,
    Obrigada pelas doces palavras e pela participação. Estava realmente precisando de um incentivo. Agradeço-lhe de coração.
    BJS.

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