"Estrangeirismos: Desejos e Ameaças" - Carlos Alberto Faraco.


Estrangeirismos – Desejos e Ameaças, é um dos artigos que compõe o livro Estrangeirismos – Guerras em Torno da Língua”, organizado pelo Doutor em Lingüística Carlos Alberto Faraco que, fez pós-doutorado em Lingüística na University of Califórnia e é Professor Titular (aposentado) da Universidade Federal do Paraná. Escreveu, entre outros livros, Lingüística histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas e foi um dos organizadores de Diálogos com Bakhtin.

O artigo citado é de autoria de Pedro M. Garcez e Ana Maria Stahl Zilles. Garcez é Ph.D em Educação, Cultura e Sociedade, pela Universidade da Pensilvânia (EUA) e Professor de Lingüística Aplicada na UFRGS. Entre suas publicações destacam-se Language Problems & Language Planning e a antologia Sociolingüística Internacional: Antropologia, Lingüística e Sociologia em Analise do Discurso.

Ana Maria Stahl Zilles é Doutora em Lingüística Aplicada pela PUCRS e Professora de Lingüística na UFRGS, onde coordena o projeto VARSUL (Variação Lingüística na Região Sul do Brasil). Entre seus artigos publicados destacam-se: Algumas características do Português do Brasil e A posposição do sujeito ao verbo no português falado no Rio Grande do Sul.

O artigo Estrangeirismos – Desejos e Ameaças tem por objetivo esclarecer algumas concepções de língua, adotas em debates conflitantes entre grupos sociais e políticos, ressurgidos a partir do projeto de lei 1676/1999, proposto por Deputados do PcdoB ( Deputado Federal Aldo Rabelo e Deputada Estadual Jussara Cony), sobre a promoção, a proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa. Esse projeto surgiu devido à preocupação com o grande número de empréstimos estrangeiros, os chamados estrangeirismos, na língua portuguesa.

Os lingüistas Pedro Garcez e Ana Maria Zilles, autores do artigo, consideram a preocupação legislativa com a invasão lingüística, um apelo patrioteiro, baseado no preconceito infundado de manter a padronização lingüística e afirmam que o fenômeno do empréstimo lingüístico é normal, levantando a discussão sobre o que seria o português legítimo.

O artigo inicia definindo ao leitor o fenômeno estrangeirismo, que é o emprego na língua de uma comunidade, de palavras ou expressões oriundas de outra língua. Esse fenômeno, também chamado de empréstimo, é constante no contato entre comunidades lingüísticas e é carregado de valores simbólicos que, segundo os autores, conferem à noção de estrangeirismo uma suspeita de identidade alienígena.

Os valore simbólicos associados a um estrangeirismo, no caso dos falantes do português brasileiro em relação à língua inglesa, atribuem a representação de dinamismo progressista, do consumismo, da comodidade, do avanço tecnológico e do poder vigoroso.

A discussão da movimentação lingüística e do emprego de estrangeirismos, para os autores, trata na superfície de questões lingüísticas e a noção de estrangeirismo faz do contato lingüístico uma arena propícia para debates de posições políticas e sociais que produzem discursos superficiais e equivocados sobre a natureza da linguagem, sobre o “uso correto” da língua e sobre a própria vida social da linguagem.

O propósito, segundo os autores, dessa movimentação ideológica é estabelecer o que é português legítimo na língua da comunidade, na língua do poder, associando a variedade lingüística ao exercício desse poder e à quem está apto à exerce-lo. Em suma a discussão sobre o que é português legítimo busca estabelecer os valores de capital lingüístico das formas associadas a repertórios externos à comunidade.

No capítulo “Legitimidade e Pureza”, os autores sugerem uma reavaliação sobre a definição de estrangeirismo apresentada na abertura do artigo, pois ao se qualificar um empréstimo como estrangeirismo, há uma suspeita sobre a legitimidade do elemento lingüístico emprestado. Apontando os critérios que conferem a um empréstimo lingüístico o caráter de estrangeirismo, os autores nos mostram que nem sempre é claro o status de um elemento emprestado. O português deriva do Latim.

O português brasileiro, língua de tantas invasões e formada por várias nações colonizadoras, tem em seu vocabulário termos de origem árabe, africana, indígena, o que indica que não é simples apontar o que é português puro, nem é simples dizer como algo deixa de ser um estrangeirismo e passa a ser parte da língua da comunidade.

Os empréstimos recentes podem ser mais facilmente identificáveis, por ainda não terem completado o processo de incorporação á língua que se dá pela padronização da escrita. Assim, os autores apontam que não há razão para tratar os estrangeirismos de hoje de forma diferente dos que vieram antes, já que tudo é resultado do contato lingüístico, da globalização.

Fora à questão da língua utilizada como diferenciador social por aqueles que desejam termos estrangeiros associando-os a grandeza e prestígio (o que não ocorre, segundo os autores, somente com a utilização de estrangeirismos, mas também com escolhas de termos empolados de nosso próprio idioma), não há com que se preocupar, pois os estrangeirismos muitas vezes têm vida curta ou são incorporados à língua que os acolhe de modo tão íntimo que sequer são percebidos.

Para denotar que a língua falada não aceita mordaça, nem se deixa domesticar por grupos de indivíduos e que a decisão quanto à legitimidade de um empréstimo passa pelo consenso de toda uma sociedade, os autores registram comicamente o fracassado esforço do presidente Getúlio Vargas, na ditadura do Estado Novo para promover o termo LUDOPÉDIO (do latim, ludus = jogo; pedis = pé) como substituto para o football. O contrário acontece com a escrita que é passível de controle e, justamente por isso, reforçam os autores, serve como padrão da língua prestigiosa do poder.

O capítulo “Anglicismo: a força do desejo”, diz que em geral a discussão contra os estrangeirismos se concentra no uso de elementos do inglês, que é claramente uma língua estrangeira, já que não é usada por nenhuma comunidade brasileira. O inglês é a grande fonte contemporânea de empréstimos lingüísticos e é hoje a língua do contato internacional e isso se deve a potencialidade econômica, social, cultural, industrial e tecnológica dos países dos Estados Unidos, dos quais somos fiéis importadores.

Em uma sociedade como a brasileira, na qual é imensa a disparidade na capacidade de consumo e na qual a classe social consumidora por insegurança se mira em modelo externo de consumo (Norte-americano e Europeu), o estrangeirismo serve para marcar a diferenciação entre as classes sociais sendo assim desejado por muitos, o que resulta em empréstimos desnecessários e exagerados.

Reforçando a postura dos autores, o autor Celso Cunha, citado em outro artigo sobre lingüística, “O Dinamismo Lexical: O dizer nosso de cada dia”, da professora da UFRJ, Maria Emília Barcellos da Silva, já havia dito que a mudança é inerente a todas as línguas vivas e, no caso de países importadores de tecnologia, como é o caso do Brasil, é inevitável que o vocabulário científico, tecnológico e mesmo o corriqueiro seja implementado por palavras oriundas das nações donde as novidades emigraram.

Assim, fica claro que é exagero se preocupar em reprimir o uso de estrangeirismo, uma vez que ou são passageiros ou são incorporados à língua sem cicatrizes e que grave é o uso da língua como forma de discriminação e ascensão social.“Diligências Legislativas”, é o capitulo no qual os autores do artigo apontam que a discussão sobre estrangeirismos geralmente vai à direção de controlar a língua, e que as iniciativas para proibi-los tem por argumento a necessidade de defesa da língua portuguesa contra essas “invasões”. Tal posição se concretiza como defesa de uma língua portuguesa pura contra influências externas e é esta a posição que sustenta os projetos de lei apresentados no Congresso e nas Assembléias Estaduais para punir com multas o uso de estrangeirismos no Brasil.

Os autores fazem críticas ao partido PCdo B e ao raciocínio legislativo antiestrangeirismo que contribui para o fortalecimento da maior fonte de preconceito lingüístico: a crença de que o Brasil é um país onde todos falam uma única língua; já apontado pelo autor Marcos Bagno em Preconceito lingüístico: o que é e como se faz.

Os que vêem nos estrangeirismos uma ameaça acreditam que os empréstimos de hoje são mais volumosos ou mais poderosos do que em outros tempos que a língua teria sido mais pura. Equivocadamente, afirmam os autores, ao tomar-se a escrita como núcleo da linguagem, perde-se de vista a sua verdadeira essência que é a fala, dotada de vitalidade, em constante movimento de variação. Empréstimos sempre houve e sempre haverá e ao tomar-se a norma escrita é fácil esquecer que quase tudo que hoje ali esta foi inicialmente estrangeiro. Não existe uma língua pura, isenta de contaminação estrangeira.

Para Antônio Carlos Secchin, professor Faculdade de Letras da UFRJ, o uso de estrangeirismos deve ser visto em contexto. O estrangeirismo lexical é válido quando há incorporação de informação nova, que não existia. Vira um problema quando compete com palavra ou expressões já existentes.

Para o lexicólogo Francisco da Silva Borba, a inclusão de neologismos é positiva se acrescentam conceitos inexistentes ou não bem definidos na língua receptora, mas o ideal é que, se necessário, ganhem roupagem nacional...(...) Os professores devem alertar para a sobrecarga de estrangeirismos e argüir sobre a necessidade ou não deles. Muitos são usados por preguiça mental, aliada à influencia do cinema e da informática. É a cultura de um povo sobrepondo-se à de outro mais frágil...

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