Enfim, o que existe de tão singular
no ser humano, tendo voz e língua fortes,
dar vários nomes às coisas, conforme as várias
sensações, como os mudos animais ou as feras
que costumam rugir com diferentes sons,
quando sentem temor, dor ou tem mais prazer?
Claro que se entende isso com fatos à mostra.
Quando irritado, o cão Molosso freme a mole
gengiva, ostentando assim seus duros dentes.
Um é o som com que a raiva ameaça e vai longe,
outro ao latir: completam tudo com latidos.
Ou quando, branco, tenta lamber os filhotes
lactantes, quando presos pelas patas - tenros,
sadios - fingem matá-los com leves dentadas,
é diverso o ganido com que os afaga;
ou quando late, só, em frente aos portões das casas
ou chora e foge à chuva, o rabo entre as pernas.
E o cavalo? Não tem relinchos diferentes
na flor da idade, entre éguas, a espora a enervá-lo,
tocado pelo Amor alado, aspira à luta
com narinas arfantes, ou quando relincha
por qualquer outra coisa, de um jeito abalado?
Assim, as várias raças de rápidas aves
(a de bico quebra-ossos, a ave de rapina
e o mergulhão, que nutre-se no mar salgado)
quando atacam a presa em busca de alimento,
lançam a cada instante pios diferentes.
Umas mudam seus cantos roucos quando vem
vendaval: as velhas gralhas e o bando
de corvos- dizem- pedem a água da chuva
enquanto cantam entre os ventos e as brisas.
Se as várias sensações levam os animais
a emitir muitas vozes, ainda que mudos,
á ainda mais justo que o homem pudesse
nomear muitas coisas com várias palavras.
Tradução de Mário Domingues
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Titus Lucretius Carus, ou Tito Lucrécio, nasce em Roma, em 98 a.C.
Sua única obra, o poema A Natureza das Coisas, é considerada, ainda hoje, a maior fonte de conhecimento da doutrina do filósofo grego Epicuro.
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