Pensamento e Linguagem - Lev Semenovitch Vigotski


O livro de Vigotski é um estudo sobre a inter-relação entre pensamento e linguagem. Partindo de uma teoria geral das raízes genéticas do pensamento e da linguagem, para desenvolver a sua teoria o autor analisa e revisa os dados pertinentes na literatura psicológica, assim como submete as teorias mais importantes, Piaget e Stern,  de pensamento e linguagem a uma análise crítica.




Capítulo 1: O problema e a abordagem

Vigotski diz ser importante ter-se uma compreensão das relações inter-funcionais entre pensamento e linguagem, relações essas que estudos anteriores, com seus métodos de análise errôneos, não conseguiram desenvolver com propriedade, pois ao identificar pensamento e fala como uma única coisa, não há como estudar relação. (leia aqui)

Vigotski critica o método que analisa os todos psicológicos complexos em elementos componentes, que analisa o pensamento verbal em seus componentes, o pensamento e a palavra, os estuda isoladamente e no decorrer da análise as propriedades originais do pensamento verbal desaparecem. A análise do pensamento verbal em dois elementos separados e basicamente diferentes impede qualquer estudo das relações intrínsecas entre linguagem e pensamento.

A proposta de Vigotski é usar a análise em unidades, conservando as propriedades básicas do todo e a unidade básica do pensamento verbal que é  o aspecto intrínseco da palavra, ou seja, o significado.
A natureza do significado como tal não é clara. No entanto, é no significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal. É no significado, então, que podemos encontrar as respostas às nossas questões sobre a relação entre pensamento e a fala. (p.5)

O significado é um ato do pensamento, mas ao mesmo tempo, o significado é parte inalienável da palavra e, dessa forma, pertence tanto ao domínio da linguagem quanto ao domínio do pensamento. Uma vez que o significado da palavra é simultaneamente pensamento e fala, é nele que encontraremos a unidade do pensamento verbal, então o método a seguir na exploração da natureza do pensamento verbal é a análise semântica – o estudo do desenvolvimento, do funcionamento e da estrutura dessas unidades em que pensamento e fala estão inter-relacionados.

Outro aspecto de estudo que foi negligenciando no passado, ao ser estudada em elementos, é o fato de que a função primordial da fala é a comunicação, o intercâmbio social “é para se comunicar que o homem cria e utiliza os sistemas de linguagem ; é a necessidade de comunicação que impulsiona, inicialmente, o desenvolvimento da linguagem".

Na ausência de um sistema de signos, linguísticos ou não, a comunicação seria limitada e de cunho mais afetivo, pois a transmissão racional e intencional de experiências e pensamentos requer um sistema mediador – a fala. A verdadeira comunicação requer significado, isto é generalização, tanto quanto signos.

Uma palavra não se refere a um objeto isolado, mas a um grupo ou classe de objetos, portanto cada palavra já é uma generalização, logo a distinção entre a sensação e o pensamento é a presença do reflexo generalizado da realidade, que é a essência do significado da palavra. Assim, a verdadeira comunicação humana pressupõe uma atitude generalizante (estagio mais avançado do desenvolvimento do significado da palavra).

As formas mais elevadas da comunicação humana somente são possíveis porque o pensamento do homem reflete uma realidade conceitualizada. É por essa razão que certos pensamentos não podem ser comunicados às crianças, pois os conceitos ainda não estão amadurecidos, Tolstoi diz que o mais difícil em se ensinar palavras novas a crianças é a apropriação de seus conceitos e não os seus sons.

Afetivo e intelectual também não podem ser separados enquanto objeto de estudo, pois pensamentos dissociados das necessidades e interesses pessoais, das inclinações e dos impulsos daquele que pensa, são desprovidos de significado. Fecha-se as portas à questão da causa e origem de nossos pensamentos.



Capítulo 2: A teoria de Piaget sobre a linguagem e o pensamento das crianças

Piaget revolucionou o estudo da linguagem e do pensamento das crianças, trazendo a ideia da evolução. Segundo Piaget, o elo de ligação de todas as características específicas da lógica das crianças é o egocentrismo do pensamento infantil, ao qual relaciona o realismo intelectual, o sincretismo e a dificuldade de compreender as relações. Para o teórico, o egocentrismo ocupa uma posição genética, estrutural e um funcionamento intermediário entre pensamento autístico e pensamento dirigido:

Pensamento Dirigido:

- É consciente: têm objetivos mentalmente presentes naquele que pensa;
- É inteligente: adaptado à realidade e busca influenciá-la;
- É suscetível de verdade e erro;
- É social: a medida que se desenvolve, vai sendo  influenciado pelas leis da experiência e da lógica propriamente dita;
- Pode ser comunicado por meio da linguagem.

Pensamento Autístico:
- É subconsciente: os objetivos que persegue e os problemas que coloca a si mesmo não estão presentes na consciência;
- Não está adaptado à realidade externa: cria uma realidade de imaginação ou de sonhos;
- Tende a gratificar desejos, e não estabelecer verdades;
- Estritamente individual: obedece a um conjunto de leis próprias especiais;
- Incomunicável por meio da linguagem: uma vez que opera em imagens e, para ser comunicado precisa recorrer a métodos indiretos, evocando, por meio de símbolos e de mitos, os sentimentos que o guiam.

Pensamento Egocêntrico:
intermediário entre o pensamento dirigido e pensamento autístico
Sincretismo:
Fala egocêntrica X Fala Socializada:
Para Vigotski, as duas formas de fala que menciona Piaget (egocêntrica e social) são sociais, embora possuam funções diferentes. O termo “fala social” é substituído por Vigotski pelo termo comunicativo.

ESQUEMA DE DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL:

           
                           PIAGET: Individual para o social

Pensamento autístico não verbal       Fala socializada        Pensamento Lógico


                          VIGOTSKI: Social para o individual
Fala social                     Fala  egocêntrica                         Fala interior



Capítulo 5: Pensamento e linguagem

Seria errado considerar o pensamento e a fala como dois processos independentes, paralelos, que se cruzam em determinado momento e influenciam mecanicamente um ao outro (p.149). Para Vigotski, o pensamento e a palavra não são ligados por um elo primário, mas, ao longo da evolução do pensamento e da fala, tem início uma conexão entre ambos, que se modifica e se desenvolve. O encontro entra a palavra e o pensamento chama de pensamento verbal ou fala significativa.

O significado da palavra, para Vigotski, não pode pertencer somente a fala ou a palavra em si, uma vez que o significado é uma generalização, um conceito, logo são atos do pensamento, pois é nele que estão os conceitos. Mas uma palavra sem significado é um som vazio, então Vigotski afirma que o significado das palavras é um fenômeno do pensamento verbal, pois o significado da palavra é um fenômeno de pensamento apenas na medida em que o pensamento ganha corpo por meio da fala, e só é um fenômeno da fala quando ligada ao pensamento.

Negando a imutabilidade do significado da palavra, Vigotski aponta o que considera o resultado mais importante de seus estudos: o significado das palavras evolui. Fato negado por várias outras correntes teóricas, para Vigotski todas as escolas e tendências psicológicas não dão o devido apreço a um ponto fundamental: todo o pensamento é uma generalização. Todas estudaram a palavra e o significado sem fazer referência ao desenvolvimento.

Segundo o autor, o fato mais importante revelado pelo estudo genético do pensamento e da fala é que a reação entre ambos passa por várias mudanças. O progresso da fala não é paralelo ao progresso do pensamento. As curvas de crescimentos de ambos cruzam-se muitas vezes; podem atingir o mesmo ponto e correr lado a lado, e até mesmo fundir-se por algum tempo, mas acabam se separando novamente. Isso se aplica tanto à filogenia como à ontogenia.

A relação entre pensamento e palavra pode ser assim resumida:

- A relação entre pensamento e a palavra não e uma coisa, mas um processo, um movimento contínuo de vaivém do pensamento para a palavra, e vice-versa
- Nesse processo, a relação entre pensamento e a palavra passa por transformações que, em si mesmas, podem ser consideradas um desenvolvimento no sentido funcional.
- O pensamento não é simplesmente expresso em palavras; é por meio delas que passa a existir
- Cada pensamento tende a relacionar alguma coisa com outra, a estabelecer uma relação entre as coisas.
- Cada pensamento que se move, amadurece e se desenvolve, desempenhando uma função, solucionando um problema.
- Esse fluxo do pensamento ocorre como um movimento interior, através de uma série de planos.
- Uma análise da interação do pensamento e da palavra deve começar com uma investigação das fases e dos planos diferentes que um pensamento percorre antes de ser expresso em palavras.


Então, o pensamento passa a existir através da palavra, mas antes de ser expresso ocorre uma relação entre pensamento e palavra que configura um processo contínuo entre um e outro. Entre esse processo, essa relação passa por transformações, por fases nas quais cada pensamento, ao estabelecer relações entre as coisas, passa por um fluxo interior de amadurecimento e de desenvolvimento, que se dá a partir de uma série de planos. Essas fases e esses planos que o pensamento percorre antes de ser expresso em linguagem é que deve ser estudado.

A primeira coisa que os estudos de Vigotski revela é a importância de se observar os dois planos da fala e seus movimentos independentes. Dois fatos importantes confirmam a presença, no desenvolvimento linguístico, desse movimento independente entre a fonética e a semântica.

Dois planos da fala:
Aspecto interior (semântico e significativo)
Aspecto exterior (fonético)

Primeiro Fato: Quando a criança passa a dominara a fala exterior esses dois planos se desenvolvem diferenciadamente:

Fonéticamente a criança vai da parte para o todo, ou seja, começa pela palavra e progride aos poucos até chegar a fala coerente. Vai do particular para o geral (palavra para a frase)

Semânticamente a criança vai do todo para a parte. A primeira palavra da criança é uma frase e só mais tarde começa a dominar as unidades semânticas separadas. Vai do geral para o particular (frase para a palavra).

Com isso Vigotski mostra que a estrutura da fala não é um mero reflexo da estrutura do pensamento e que o pensamento e a fala não provem de um único modelo. O pensamento passa por muitas transformações até transformar-se em palavra, e é nela que encontra expressão, realidade e forma.

Segundo Fato: Surge num momento posterior. Piaget mostrou que a criança utiliza estruturas gramaticais, como orações subordinadas com os conectores embora, porque, etc., muito antes de aprender as estruturas e significados dessas formas gramaticais. Nos adultos é nítida a divergência entre os aspectos semânticos e fonéticos da fala, principalmente no que diz respeito ao sujeito e predicado gramatical e psicológico. Em uma frase a ênfase e o significado podem mudar em diferentes situações. Qualquer parte de uma frase, segundo Vigotski, pode se tornar o predicado psicológico, assim como os significados podem ocultar-se por trás de estruturas gramaticais. As alterações na estrutura formal podem provocar profundas alterações de significado, pois por trás das palavras existe a gramática independente do pensamento, a sintaxe dos significados das palavras.

As expressões verbais são um complexo processo de transição do significado para o som e a criança deve buscará aprender a distinguir a semântica da fonética e compreender essa diferença, uma vez que utiliza, no princípio, ambas sem distingui-las. À medida que a criança cresce, passa a separar os dois aspectos da fala de que fala Vigotski e cada estágio no desenvolvimento dos significados das palavras tem inter-relações específicas dos dois planos. A capacidade de comunicação da criança por meio da linguagem esta relacionada diretamente com a diferenciação dos significados das palavras na fala e na sua consciência.

Na estrutura semântica de uma palavra nós, os adultos fazemos distinção entre o função nominativa e sua função significativa de uma palavra, ou seja, o significado independe do nominativo, pois só significamos as coisas ao longo de nossas trajetórias. Assim, somente quando esse desenvolvimento estiver completo é que a criança se torna capas de formular seu próprio pensamento e de compreender a fala dos outros.

Fala egocêntrica e Fala interior


A partir do método genético da experimentação Vigotski investiga a fala interior que, segundo o autor, não é a ausência de som, nem mesmo uma reprodução da fala na memória. A fala interior é o contrário da fala exterior, pois consiste na tradução do pensamento em palavras, ao que o processo inverte-se: a fala interioriza-se em pensamento. Vigotski afirma que Piaget foi o primeiro a prestar atenção na fala egocêntrica na criança, mas seus resultados foram distorcidos por não considerar a característica mais importante da fala egocêntrica que é a sua relação genética com a fala interior. Se a fala egocêntrica é um estágio da fala interior e a primeira desaparece na fase escolar, ao tempo em que a segunda surge, Vigotski conclui que uma se transforma na outra.

Para Piaget a fala egocêntrica:
- a criança não se comunica com os adultos, sua fala é imcompreensível.
- não tem nenhuma função no pensamento da criança.
- desaparece na fase escolar, junto com o egocentrismo da criança.
- segue uma involução ao desaparecer.

Para Vigotski a fala egocêntrica:
- vai da atividade social para a individual.
- está a serviço da orientação mental.
- ajuda a superar dificuldades.
- é uma fala para si mesma, convenientemente relacionada com o seu pensamento.
- segue uma evolução, pois se transforma em fala interior.

Para Vigotski, então, a fala egocêntrica evolui e transforma-se na fala interior, afastando-se da vocalização da primeira, uma vez que a fala interior, a fala para si mesmo, não encontra expressão na fala exterior. Dizer que a fala egocêntrica some é equivalente a dizer que uma criança para de contar porque não usa mais os dedos. Na verdade a decrescente vocalização da fala egocêntrica indica que a criança adquiriu uma nova capacidade: a de pensar as palavras ao invés de pronunciá-las.


Comentários

  1. Prezada Angela,
    Muito instrutiva sua resenha sobre o livro de Vigotski.Gostaria apenas de acrescentar a indispensável contribuição de Chomski sobre o assunto. O pensamento é indissociável da estrutura sintáxica Sujeito-Predicado, que é inerente à fala com significado. Essa matéria é infinita para ser resumida em um comentário.
    Seu blog é das coisas internéticas mais preciosas. Continue e parabéns sempre.

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