Como ler livros - O guia clássico para a leitura inteligente

Mortimer Adler
Charles Van Doren
         
Uma coisa deve ficar entendida já no início desta conversa: toda leitura deve ser encarada como o que de fato é - uma atividade que implica uma ação do leitor, que depende essencialmente de sua dedicação, de seu empenho intelectual, e cujo sucesso será proporcional àquilo que ele conseguir apreender do texto. Lembre-se que ler é um ato comunicacional e como tal requer uma ação responsiva!

Para auxiliar os leitores interessados em crescer intelectualmente, os autores Mortimer Adler e Charles Van Doren,  na obra Como ler livros: o guia clássico para a leitura inteligente, desenvolveram o método dos quatro níveis de leitura (elementar, inspecional, analítico e sintópico), que propicia “diferentes maneiras de abordar os tipos diferentes de leitura: livros práticos e teóricos, literatura imaginati va (poesia lírica, épicos, romances, peças teatrais), história, ciências e matemática, ciências sociais e filosofia, assim como obras de referência, jornalismo e até publicidade” (ADLER; DOREN, 2014, p.32).

Segundo os autores, os livros são como o mundo a nossa volta: ambos são compreendidos conforme nossa capacidade de responder às questões que nos intrigam, e a compreensão só é obtida quando o leitor unifica o conhecimento compreendido do livro  numa ideia central e se torna capaz de explicar esse conhecimento com suas próprias palavras. Para tanto, resumimos aos quatro níveis elaborados por Adler e Van Doren com o intuito de auxiliar o leitor a uma leitura inteligente.

NÍVEL 1 - LEITURA ELEMENTAR OU RUDIMENTAR: O nível mais básico, que aprendemos durante o processo de alfabetização,  consiste em juntar letras em palavras e palavras em frases. Sugere que a pessoa se alfabetizou, aprendeu os rudimentos da arte de ler e recebeu o treinamento básico para a leitura. Nesse nível, a pergunta-chave a ser respondida é “o que a frase diz?”.

Triste é ver gente que sabe distinguir entre proveito e prazer, por um lado, e entretenimento ou vã curiosidade por outro, mas não sabe como elaborar um plano de leitura. Eles falham mesmo que saibam qual livro serve para entendimento e qual serve para entretenimento. Isso porque não sabem como ser leitores exigentes, como manter a mente focada e ativa naquilo que é necessário para que extraiam lucro”. (ADLER; DOREN, 2014, p.64)
   
NÍVEL 2 - LEITURA INSPECIONAL: Tem como fator principal o tempo, pois essa leitura pressupõe determinado período no qual temos de ler certos trechos para extrair o máximo do livro. É a arte de folheá-lo sistematicamente, examinando sua superfície. Você inspecionará o livro literalmente: lerá o título, o subtítulo, a contracapa, o sumário e, no mínimo, dará uma lida no prefácio (ou introdução) e no índice remissivo (se houver). “Estes serão os sinais com que o autor lhe acena para indicar para onde o vento está soprando. Não é culpa dele se você não parar, olhar e escutar” (p.77).  

Segundo os autores, bons livros merecem o esforço de ler tão ativamente quanto possível (e a leitura inspecional é uma leitura ativa), um esforço pelo qual o leitor será recompensado. A prescrição principal da leitura ativa é: “faça perguntas enquanto lê – perguntas às quais você mesmo deve tentar responder ao longo da leitura” (p.64). Ou seja, converse como livro, pois o leitor não deve ser passivo e sim ativo, então reaja ao livro. As perguntas-chave da leitura inspecional, expostas no capítulo “A arte da leitura exigente” (p.63), são: “O livro fala sobre o quê?”; “O que exatamente está sendo dito, e como?”; “O livro é verdadeiro, em todo ou em parte?”; “E daí?”.

Encaminhando o leitor para o próximo nível - a leitura analítica -, Adler e Van Doren, no capítulo “Arte de tomar posse de um livro”, elencam algumas técnicas que ajudam o leitor não só a “ler nas entrelinhas”, mas também a “escrever nas entrelinhas”, ampliando o entendimento do texto como um todo. Eis as técnicas indicadas para tomar posse de seu livro efetivamente:


SUBLINHAR os trechos principais.


TRAÇAR LINHAS VERTICAIS NAS MARGENS. A ideia é enfatizar trechos já sublinhados ou destacar passagens longas demais para serem sublinhadas.

ENCONTRAR AS PASSAGENS RELEVANTES

FAZER OS AUTORES CHEGAREM A UM ACORDO COM VOCÊ


       ESCLARECER AS QUESTÕES
   
       DEFINIR DIVERGÊNCIAS
   
       ANALISAR A DISCUSSÃO 
  
   FAZER ASTERISCOS OU OUTRAS MARCAS NAS MARGENS. O intuito é fazer uso esporádico deles a fim de enfatizar os dez ou doze trechos ou parágrafos mais importantes do livro. O objetivo é que você seja capaz de tirar o livro da estante e localizar rapidamente os trechos importantes e necessários.


 INSERIR NÚMEROS NAS MARGENS para indicar os passos de um raciocínio ou argumento.

INSERIR NÚMERO DE OUTRAS PÁGINAS NAS MARGENS, objetivando apontar para outros trechos que contenham contrapontos ou raciocínios semelhantes. A prática ajuda na amarração do livro.

CIRCULAR PALAVRAS-CHAVE OU FRASES IMPORTANTES.

ESCREVER NAS MARGENS DA PÁGINA. O objetivo é registrar perguntas, respostas possíveis, reduzir questões complexas em uma frase, etc.



NÍVEL 3 - LEITURA ANALÍTICA: É aquela em que a atividade é mais complexa e sistemática, quando comparada aos anteriores, contudo não será bem sucedida se as técnicas da leitura inspecional não forem realizadas e as suas perguntas respondidas. A leitura analítica depende das dificuldades do livro a ser lido e pode exigir muito do leitor, pois se trata da leitura completa, a melhor possível num período de tempo ilimitado.  A leitura analítica se beneficia do contato constante com ambientes diferentes, como ficções históricas, romances, narrativas literárias todas, poemas, livros técnicos e teóricos, artigos, etc. Isso faz sentido se você pensar em termos de zona de conforto: para quem lê apenas romances, um livro de poesias é um estresse que vai forçar a pessoa a sair da zona de conforto (e entrar na zona de aprendizado), (re)adaptando-se e melhorando (-se). Quanto mais você variar melhor. É importante também quebrar a mentalidade de “leitura para escola”, ou “leitura de paradidáticos”. Você agora está lendo para a vida. Não há regras: você pode ler absolutamente tudo aquilo que desejar.

A leitura analítica suscita muitas perguntas, segundo o tipo de livro que se tem em mãos, mas para todo e qualquer livro, ainda que melhor se aplique a obras expositivas, algumas regras são fundamentais nesse nível. As quatro primeiras regras, chamadas regras básicas, dizem respeito ao primeiro estágio da leitura analítica – “conhecimento do livro”. As quatro regras seguintes (p.5 - 8) referem-se à segunda etapa do nível 3 – “interpretando o livro”. Finalmente, as últimas regras da leitura analítica (p.9 - 11) – “criticando o livro” -, dizem respeito às últimas perguntas básicas.


1.      SAIBA QUAL TIPO DE LIVRO ESTÁ LENDO. Essa regra está exposta no subcapítulo “A classificação de um livro” (p.76) e é voltada, sobretudo, a obras expositivas, e você a alcançará por meio da leitura inspecional.

2.      EXPRESSE A UNIDADE DO LIVRO EM UMA ÚNICA FRASE OU PARÁGRAFO CURTO. Sob o título “Como radiografar o livro”, Adler e Van Doren afirmam que “todo o livro tem um esqueleto por trás da capa”, e a tarefa do leitor analítico é encontrá-lo (p.92).  A pergunta que se deve fazer aqui é: “esse livro é sobre o que, em sua unidade?”. Para verificar se alcançou o entendimento, o leitor deverá ser capaz de dizer a si mesmo, ou a outrem, qual a unidade do livro em poucas palavras. 

3.      EXPONHA AS PARTES PRINCIPAIS DO LIVRO E MOSTRE COMO ELAS ESTÃO ORDENADAS EM RELAÇÃO AO TODO. A ideia básica dessa regra é expressa em analogia à construção civil.


"um livro é como uma casa. É como se fosse uma mansão composta de muitos cômodos, distribuídos por vários andares e de diferentes tamanhos, formatos [...]. Mas eles não chegam a ser absolutamente independentes e separados. Eles se conectam por portas, arcadas, corredores, escadas, ou seja, por aquilo que os arquitetos chamam de “elementos de circulação”. [...] Um bom livro, assim como uma boa casa, é um arranjo organizado de partes”. (ADLER; DOREN, 2014, p.93)



4.      DESCUBRA QUAIS FORAM OS PROBLEMAS DO AUTOR. Esta função basicamente repete aquilo sugerido nas regras 2 e 3. Dizem os autores que todo livro começa com uma pergunta, ou um conjunto de perguntas, e o livro nada mais é do que sua(s) resposta(s). Cabe ao leitor identificar: “quais são as perguntas subordinadas e quais são as principais?”.

As resoluções seguintes, alertam os autores, respondem à segunda pergunta básica do estágio 1 da leitura analítica, e exigem do leitor dois passos importantes, de cunho interpretativo: um diz respeito à linguagem em si, enquanto o outro passo supera a linguagem, encontrando o pensamento por trás dela. Vamos às outras quatro regras, expostas no subcapítulo “Como especificar a mensagem do autor” (p. 127):

5.      ENCONTRE AS PALAVRAS IMPORTANTES E, POR MEIO DELAS, ENTRE EM ACORDO COM O AUTOR. Essa regra tem duas partes. A primeira consiste em localizar as palavras-chave (as mais importantes do livro), e a segunda em determinar o sentido dessas palavras conforme são usadas no texto.

6.    MARQUE AS FRASES MAIS IMPORTANTES E DESCUBRA AS PROPOSIÇÕES QUE ELAS CONTÊM. Para empreender essa regra você terá de conhecer um pouco da gramática de sua língua e o papel desempenhado por advérbios, preposições, nexos, verbos, locuções, etc.

7.     LOCALIZE OU FORMULE OS ARGUMENTOS BÁSICOS E DESCUBRA AS PROPOSIÇÕES QUE ELAS CONTÊM. Em outras palavras, encontre os parágrafos que expressam os argumentos principais ou, se não for possível encontrá-los em parágrafos, una as frases importantes até que consiga compor uma sequência lógica do argumento.

8.      DESCUBRA QUAIS SÃO AS SOLUÇÕES DO AUTOR. Quando aplicar essas regras, além das três antecedentes, você estará pronto para debater com o autor.

Ler um livro é um ato de comunicação, pois você conversa com o autor, ou melhor, o verdadeiro leitor deveria conversar. Dito isso, os autores agora expõem o terceiro estágio da leitura analítica, no qual vale lembrar: “a comunicação séria exige não apenas que sejamos espectadores responsivos, mas responsáveis”. A destreza desse estágio está ligada à arte da retórica e, conforme os teóricos, você deverá responder e se posicionar, mas não sem antes ouvir com cuidado e ter certeza de que entendeu a mensagem.

9.      VOCÊ TERÁ DE DIZER COM RAZOÁVEL GRAU DE CERTEZA “EU ENTENDO” ANTES QUE POSSA DIZER “CONCORDO”, “DISCORDO” OU “SUSPENDO O JULGAMENTO”. Essas três afirmações resumem todas as posturas que você pode adotar a respeito de um livro.  Em suma, entenda antes de criticar (posicionar-se).

10.  QUANDO DISCORDAR, FAÇA-O DE MANEIRA SENSATA, SEM GERAR DISPUTAS OU DISCUSSÕES. Isso não quer dizer que você não possa discordar de um autor, mas que ao fazê-lo você esteja certo de que não se trata de mera batalha em que vencer é o que importa, deixando o conhecimento em segundo plano. Não seja polêmico nem competitivo gratuitamente. Acima de qualquer coisa, aprenda.

11.  RESPEITE A DIFERENÇA ENTRE CONHECIMENTO E OPINIÃO, FORNECENDO RAZÕES PARA QUAISQUER JULGAMENTOS CRÍTICOS QUE FIZER. Apresente justificativas para o seu desacordo, de forma que as proposições não sejam apenas expostas, mas também justificadas.
Para finalizar, Adler e Doren travam uma conversa com o leitor sobre a atrofia dos músculos mentais, preço que se paga por não exercitar a mente. O corpo, segundo os autores, sofre limitações que a mente não sofre, pois não há limites para o crescimento e desenvolvimento de uma mente ativa e bem trabalhada. E seguem, encerrando um dos mais completos livros-guia de compreensão de leitura para o leitor que quer se torna mais que um espectador, com estas reflexões:


A televisão, o rádio e muitas outras tecnologias são esteios artificiais. Podem nos dar a impressão de que nossa mente está ativa, porque temos de reagir a estímulos exteriores, mas a força desses estímulos externos é muito limitada para continuar nos alimentando. [...] Chega um momento em que seu efeito é mínimo ou nenhum. Então, se não tivermos os recursos em nós mesmos, nosso crescimento intelectual, moral e espiritual será interrompido. E, quando paramos de crescer, começamos a morrer. Ler bem, no sentido de ler ativamente, não é, portanto, apenas um bem em si mesmo nem é apenas um meio de progredir no trabalho ou na carreira. É um modo de manter-se vivo, de transgredir as limitações do corpo, de manter a mente ativa, sempre crescendo (ADLER; DOREN, 2014, p.347). 

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