Santiago: Terra dos Poetas

Foi aprovado hoje em Porto Alegre, na Assembleia Legislativa, um projeto que declara o município de Santiago "Terra dos Poetas". Na cidade gaúcha nasceram inúmeros talentos poéticos, como Aureliano de Figueiredo Pinto, Caio Fernando Abreu, Ramiro Frota Barcelos, Oracy Dorneles e Túlio Piva, entre outros.

A Universidade Regional Integrada (URI) de Santiago mantém o projeto de pesquisa "Santiago do Boqueirão, seus poetas quem são?", que busca investigar e resgatar a história e a produção literária dos escritos santiaguenses e estimular, nos jovens, o gosto pela poesia. "Em Santiago, existem ruas com poesias fixadas ao longo da via e também com bustos homenageando os poetas daquela terra", comentou Adroaldo Loureiro,autor do projeto, ao destacar, também, que padarias e confeitarias da cidade vendem pães e doces com nomes dos talentos poéticos nascidos em Santiago.

Amigos, o blog Cultura de Travesseiro não tem nenhuma pretensão política, sendo nossa intenção a propagação da cultura e do conhecimento, mas, gestos que enaltecem a cultura, devem, sim, ser divulgados e são merecedores de nossa atenção. Então, como incentivo a essas atitudes culturais, dedico este post ao deputado estadual Adroaldo Loureiro... e que haja mais poesia na nossa política!

Aureliano de Figueiredo Pinto nasceu em Tupanciretã, na fazenda São Domingos, em 01 de agosto de 1898. Filho de Domingos José Pinto e Marfisa Figueiredo Pinto, foi um respeitado médico e poeta incomparável. Relatou em versos o seu mundo e seu tempo, período de grandes disputas políticas e ditaduras. Logo após a sua formatura passou a residir em Santiago (RS), onde atuou como médico e, nas horas de folga, poeta.

Seus versos foram organizados pelo amigo Túlio Piva, em Santiago, pois esses chegavam escritos em receituários, que eram passados a limpo e datilografados pelo amigo e foram editados nos livros " Romance de Estância e Querência".



Romance do Tropeiro Doido
Aureliano de Figueiredo Pinto
Já velhito não perdia
uma tropeada comprida
com seus seis baios ruanos
bem tosados, cola curta,
os cascos bem groseaditos,
era um desses peão de tropa
que os capatazes não deixam...

Com seu chapéu de aba larga,
e o poncho que era um galpão,
e com todos os pertences
para a lida forte e dura
-desde avios de chimarrão,
maneadores de porteira,
até os trapos ensebados
prá empeçar fogo, chovendo.

Um quero-quero prá o sono!
E ademais sem uma queixa,
ou dúvida às ordens dadas.
Vaqueano como ninguém
de rondas , pastos e aguadas,
era um desses peão de tropa
que os capatazes não deixam

Um dia a sua comitiva
afundou para as missões,
a apartar gordo em Garruchos
no velho Juca Ramão.

E no primeiro rodeio,
logo um novilho afamado,
ficado de muitas tropas
levantou as aspas claras
direito ao fundo do campo.
Mas o velhito era desses
que os capatazes não deixam...
Estendeu o baio-ruano
no plaino de pedregulho.

Levantou o treze-braças
que fez um Vuuu!...no ar parado.
E quando o laço estirou,
no instante mesmo do golpe
o baio fincou a testa!
O velhito que atendia
boi, ilhapa e cinchador
nunca este ruano rodara!
e o velhito, um saidor!
também de testa se foi..

Ficou roncando, mortito,
e quinze dias roncou.
E lá, três meses esteve
num hospital das missões,
onde o Dr. Zé Gaspar
que em moço fora tropeiro,
o atendia com a ciência
e pena no coração...

E quando aos pagos voltou
parecia o homem de sempre
-ágil, vivo, despachado!
Servidor e sempre pronto
prá uma tropeada comprida.
Só diferente na prosa
porque o juízo perdera...

No inverno lidava em guascas,
e em madeiras de carreta,
ensinando ao seu netito,
como se faz a presilha
ou se remata um botão.
Como se prepara a lonca
e o romaneio de um laço.
Como se arqueia um canzil
ou se volteia uma canga.
Como se retova um par
de bem feitas boleadeiras.

Como se prepara um couro
ou desquina um maneador.
E nas conversas com o aluno,
era tudo mais por senhas,
e idiomas de meia língua
que os outros pouco pescavam.
Ali por fins de setembro,
ou nos começos de outubro,
ia a invernada e trazia
os seus seis baio-ruanos.
Uma semana levava
tosando, groseando os cascos,
adelgaçando os seus pingos.

Já pronto para a tropeada
de todos se despedia...
Agora ninguém mais ria
da loucura do velhito.
Com seis ruanos por diante,
ia à coxilha defronte.
Lá, durante horas e horas
trabalhava como um taura:

-Apartava, refugava.
Coava. Contava a tropa
e a ajeitava na pastagem,
com o flete lavado em suor!
Tudo de imaginação!
como piazito brincando
de apartes de faz-de-conta...

Lá ia o neto buscá-lo
para o almoço e o descanso.
Ele acedia mas antes
logo pedia ajutório
para estender a tropa n'água.
Porque é um trabalho a preceito
largar a tropa na aguada...

De tarde, mudado o pingo,
o churrasquito na mala,
fazia a tropa marchar
até que, entre duas-luzes,
ao tranco, com calma e jeito,
se fosse cerrando a ronda...

De novo o guri o buscava
e afinal o convencia
que a peonada era boa,
podia rondar sem ele.
Podia ir pousar nas casas...
Se a noite não tinha lua
ele voltava à morada.

Mas nas noite de luar claro,
nas noites de lua cheia,
nem o neto o demovia!
Rondava a coxilha, ao tranco,
às vezes meio cantando,
até que clareasse o dia.

E foi numa dessas noites
de luar prateando as lagoas,
que amanheceu morto, lá no alto.
Com a rédea atada no pulso,
largo chapéu sobre os olhos
e o ruano olhando o seu dono.

Primeira e única noite
que o taura dormiu na ronda.




Caio Fernando Loureiro Abreu nasceu em Santiago, 12 de setembro de 1948. Jornalista, escritor e poeta brasileiro, Caio cursou Letras e Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas abandonou ambos para escrever para revistas de entretenimento, como Nova, Manchete, Veja e Pop.

Em 1968, foi perseguido pelo DOPS, e acabou se refugiando no sítio da escritora Hilda Hilst, em Campinas. No início dos anos 70, exilou-se por um ano na Europa, passando por países como Inglaterra, Suécia, França, Países Baixos e Espanha.
Em 1983, mudou-se de Porto Alegre para o Rio de Janeiro e, em 1985, para São Paulo. Voltou à França em 1994 e retornou no mesmo ano, ao descobrir-se portador do vírus HIV. Faleceu em 25 de fevereiro de 1996 em Porto Alegre, onde voltara a viver com seus pais. (leia aqui "para lembrar tia Flora", crônica de Caio)


Poema Antigo
Caio Fernando Abreu

"Está tudo planejado:
se amanhã o dia for cinzento,
se houver chuva
se houver vento,
ou se eu estiver cansado
dessa antiga melancolia
cinza fria
sobre as coisas
conhecidas pela casa
a mesa posta
e gasta
está tudo planejado
apago as luzes, no escuro
e abro o gás
de-fi-ni-ti-va-men-te
ou então
visto minhas calças vermelhas
e procuro uma festa
onde possa dançar rock
até cair"

Fonte: Blog Caio fernando Abreu - sem amor, só a loucura

Comentários

  1. olá...

    adoramos o seu post

    obrigada por ajudarnos a consolidar a identidade da Terra dos Poetas.

    Temos um projeto de pesquisa que resgata essa identidade.

    se quiseres pode dar uma olhadinha no site

    www.terradospoetas.com.br

    um abraço

    acadêmicas: Joseane e Bianca

    prof: Rosane

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