O TEMPO CONTEMPORÂNEO E A LITERATURA DA GERAÇÃO ZERO ZERO NO RIO GRANDE DO SUL



CONTEMPORARY TIME AND THE LITERATURE OF GENERATION ZERO ZERO IN RIO GRANDE DO SUL



Angela Francisca Mendez de Oliveira1

Helena Leite Pinto2


Resumo: As profundas e constantes transformações dos tempos pós-moderno afetam o homem contemporâneo, que vive em crise. A partir do pensamento social e antropológico do autor Zygmunt Bauman, o artigo apresenta um diagnóstico da sociedade pós-moderna, a fim de verificar como se dá a representação do sujeito contemporâneo na literatura do escritor gaúcho Marcelo Benvenutti, selecionado para participar da antologia de contos Geração Zero Zero: fricções em rede.

Palavras-chave: literatura contemporânea, Marcelo Benvenutti, Geração Zero Zero.


Abstract: The deep and constant transformations of the post-modern times affect contemporary man, who lives in crisis. From the anthropological and social thought of Zygmunt Bauman, this article presents a diagnosis of post-modern society in order to verify how the contemporary man is represented in the writing of Marcelo Benvenutti, selected to participate in the anthology of short stories named Generation Zero Zero: frictions network.

Keywords: contemporary literature, Marcelo Benvenutti, Generation Zero Zero



INTRODUÇÃO

Na segunda metade do século XX assistimos a um processo sem precedentes de mudanças na história do pensamento e da tecnologia. Ao lado da aceleração avassaladora das tecnologias de comunicação, da velocidade das mudanças econômicas e das descobertas da ciência genética, ocorreram mudanças paradigmáticas no modo de se pensar a sociedade. Essas mudanças colocaram em xeque certezas, inverteram costumes e transformaram o homem social e suas formas de conceber o mundo. A existência, o relacionamento com o outro, a ética e a moralidade, as coisas próprias do homem, diagnosticado em estado de crise identitária, traduzem-se também nas formas de expressão do homem, traduzem-se também em arte literária. “O ato de representação é o que nos torna humanos [...] e esta habilidade de representar nos permite refletir” (LEWONTIN, apud FOSNOT, 1998, p.44), mapear e entender o nosso cenário social pós-moderno. A literatura produzida nas últimas décadas reage, então, a tais mudanças. Observa-se que jovens escritores surgem, agressivos e impactantes, apresentando peculiaridades na representação do homem de seu tempo, expondo em suas produções, nas entrelinhas de seus textos, o modo de ser, as angústias , os valores e as incertezas deste hoje pós-moderno.
A partir dessas constatações, o presente artigo tem como objetivo, primeiro, apresentar um breve diagnóstico do homem pós-moderno, partindo dos conceitos e definições do sociólogo Zygmunt Bauman. Após, pretende observar, nos textos do autor gaúcho Marcelo Bevenutti, selecionado para participar a coletânea de contos recentemente lançada Geração Zero Zero: fricções em rede (2011), como se configura a condição humana e o pensamento pós-moderno representados na literatura, expressão máxima da linguagem, produzida pela geração que recebe nome homônimo à obra.


1 O HOMEM PÓS-MODERNO NA MODERNIDADE LÍQUIDA

Para se compreender a literatura contemporânea, faz-se necessário entender o sujeito pós-moderno em seu habitat social, uma vez que “a sociedade é o meio ambiente do indivíduo e, portanto, perturba e é por ele perturbada” (LEWONTIN, apud FOSNOT, 1998, p. 41). Essas perturbações, por sua vez, são expressas pelo indivíduo através da linguagem, no caso aqui proposto, a literatura. O conceito de pós-moderno pode não ser comum entre autores diversos que buscam compreender o momento em que vivemos, mas acordam esses que o homem pós-moderno vive em crise. As mudanças aceleradas e a desestabilização do que se tinha como estável implicam uma relação na qual o mundo é vivido como assustador, incerto, incontrolável, contraditório e exaustivo. Tais sentimentos de vida, o cotidiano marcado por uma angustiante sensação de mera sobrevivência, a solidão on line ou ainda a busca desenfreada por moldar-se a padrões em constante mutação, desencadeiam, segundo sociólogos, crise identitária, subjetividade fragmentada e uma cultura de consumo massivo, esses entre outros “sintomas” que vêm sendo discutidos.
Zygmunt Bauman, sociólogo empenhado, segundo alguns críticos, em traduzir o mundo em textos e um dos líderes da chamada sociologia humanística, talvez seja o teórico que melhor define o homem pós-moderno. Para Bauman, o sentimento dominante na geração pós-moderna é a sensação de incerteza, que já não é vista como um “inconveniente temporário”, mas como “permanente e irredutível”; “Tudo está agora sempre a ser permanentemente desmontado, mas sem perspectiva de nenhuma permanência. E isso faz uma diferença incrível em todos os aspectos da vida humana” (1998, p. 32). Segundo o sociólogo, vivemos um progressivo empobrecimento existencial na dita “sociedade pós-moderna” e, para melhor ilustrar o declínio da condição humana pós-moderna, Bauman utiliza a ideia da “liquidez”, que representa a dissolução do duradouro, do sólido. Em entrevista ao Folha de São Paulo, o autor explica que na sociedade pós-moderna, ou na modernidade líquida, “tudo é temporário: “ É por isso que sugeri a metáfora da "liquidez" para caracterizar o estado da sociedade moderna, que, como os líquidos, se caracteriza por uma incapacidade de manter a forma”. Ao que segue:

Como um exemplo dessa perspectiva, li, num dia desses, que um famoso arquiteto de Los Angeles estava se propondo a construir casas que permanecessem lindas "para sempre". Ao ser questionado sobre o que queria dizer com isso, ele teria respondido: até daqui a 20 anos! Isso é hoje "para sempre", grande duração. O que me interessa é, portanto, tentar compreender quais as conseqüências dessa situação para a lógica do indivíduo, para seu cotidiano. Virtualmente todos os aspectos da vida humana são afetados quando se vive a cada momento sem que a perspectiva de longo prazo tenha mais sentido3.

Em O mal-estar da pós-modernidade (1998), Bauman expõe que “Todas as sociedades produzem estranhos. Mas cada espécie de sociedade produz sua própria espécie de estranhos [...]” (1998, p. 27). O autor explica, apoiado nas concepções de Freud em O mal-estar da civilização, que a civilização se firma num ideal de pureza e de ordem em que a busca pela “higiene” (isto é, manter a sujeira longe) exclui ou elimina tudo o que considera como “poluição”. Em outras palavras, a sociedade produz seus estranhos, que são aqueles sujeitos que não se ajustam, que estão fora de lugar poluindo o quadro da ordem, embora as convenções sociais já não mais sejam claras ou definitivas. A problemática é que, conforme aponta o sociólogo, ninguém está seguro, isto é, qualquer indivíduo pode converter-se em estranho nas instabilidades dos tempos contemporâneos. Como a humanidade não tolera a exclusão, logo a sensação de insegurança que experimenta o homem contemporâneo quanto ao seu lugar no meio em que vive - a sociedade – causa mal-estar, desequilíbrio e desconfiança. Incute em desfragmentação do sujeito que vive em busca do “ajustar-se”, do ser aceito, acarretando a identificada crise nas identidades.

Se os estranhos são as pessoas que não se encaixam no mapa cognitivo, moral ou estético do mundo – num desses mapas, em dois ou em todos os três; se eles, portanto, por sua simples presença, deixam turvo o que deve ser transparente, confuso o que deve ser coerente receita para a ação, e impedem a satisfação de ser totalmente satisfatória; se eles poluem a alegria com a angústia, ao mesmo tempo que fazem atraente o fruto proibido; se, em outras palavras, eles obscurecem e tornam tênues as linhas de fronteiras que devem ser claramente vistas; se, tendo feito tudo isso, geram a incerteza, que por sua vez dá origem ao mal-estar de se sentir perdido – então cada sociedade produz esses estranhos. Ao mesmo tempo que traça suas fronteiras e desenha seus mapas cognitivos, estéticos e morais, ela não pode senão gerar pessoas que encobrem limites julgados fundamentais para a sua vida ordeira e significativa, sendo assim acusadas de causar a experiência do mal-estar como a mais dolorosa e menos tolerável. (BAUMAN, 1998, p. 27).

Zygmunt Bauman, novamente na entrevista, diz que para ele a sociedade pós-moderna é a modernidade sem ilusões, pois diferente do que se viveu no que define como modernidade sólida que também desmontava a realidade herdada, hoje há esse mesmo processo de desconstrução da identidade herdada, mas sem perspectiva de permanência. As coisas, agora, (empregos, relacionamentos, gostos, costumes, hábitos, etc.) “tendem a permanecer em fluxo, voláteis, desreguladas, flexíveis”. Em Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos (2004), Bauman explora o impacto dessa situação nas relações humanas, quando o indivíduo se vê diante de um dilema. Ao tempo em que o sujeito pós-moderno precisa do outro, ele tem medo de desenvolver relacionamentos mais profundos, que o imobilizem num mundo em permanente movimento. Questionado pela entrevistadora da Folha sobre os riscos da pós-modernidade, o autor defende a literatura como forma de compreensão da condição humana. Entende a literatura como ferramenta para o conhecimento e o confronto da condição existencial, pois “a humanidade precisa se colocar acima dos dados da experiência a que tem acesso enquanto indivíduos. Ou seja, a percepção individual, para ser ampliada, necessita da assistência de intérpretes munidos com dados não amplamente disponíveis à experiência individual”.


2 A LITERATURA CONTEMPORÂNEA DA GERAÇÃO ZERO ZERO

Em tempos contemporâneos, em que se acelera o tempo e comprimem-se os espaços, o escritor pós-moderno acompanha a velocidade com que as coisas acontecem, assim como exprime, em suas criações literárias, os diferentes modos de o homem sentir, entender, observar e encarar as ações humanas na civilização contemporânea. O autor Ferréz, escritor representante da chamada literatura marginal, em certa ocasião mencionou que morar dentro do tema, para os escritores, é complicado. Com base no diagnóstico aqui apresentado, não em vão o gênero privilegiado pela geração de jovens escritores que despontaram nas últimas décadas é o conto, caracterizado como narrativa breve que é, como lembra-nos Cortázar, “uma síntese viva ao mesmo tempo que uma vida sintetizada”( apud GOTLIB, 2006, p. 10). Gênero literário compacto, mas não menor, o conto apresenta, segundo fórmula desenvolvida por Tchekhov, “um mínimo de enredo e o máximo de emoção”, ao ainda nas palavras de Poe, trata-se de uma narrativa na qual o autor consegue com o mínimo de meios, o máximo de efeito.
Reúne então, esse gênero ficcional, as características que a sociedade pós-moderna busca em suas atividades cotidianas: a rapidez, o imediatismo, a liberdade de mobilidade num mundo em constante movimento. Giardinelli, em sua obra Assim se escreve um conto, percebeu que o conto é o gênero do tempo contemporâneo, o gênero que tem assegurado o seu porvir, melhor definido em suas próprias palavras:

Na minha opinião, o conto é o gênero literário mais moderno e que tem a maior vitalidade. Por um lado porque – sabe-se – o homem e a mulher jamais deixam de contar o que lhes aconteceu. Por outro porque, por mais cansativa que seja a vida humana, as pessoas sempre terão – nessa época e nas próximas – cinco ou dez minutos para saborear um conto bem escrito. Como é um gênero que terá assegurado o seu porvir – costumo brincar – ao menos enquanto as pessoas tiverem abajures na cabeceira da cama, forem ao banheiro ou viajarem de ônibus. (GIARDINELLI, 1994, p.15)

Diante da produção literária da última década, podemos observar uma fértil e curiosa proliferação de “produtores” literários, usando termo de Even-Zohar, teórico que desenvolveu a Teoria dos Polissistemas, desvelando a literatura e sua ligação intrinseca com aspectos socioculturais. 4Contrários às constatações de que não existem, no Brasil, leitores; de que os jovens têm dificuldades em escrever ou ler; de que a internet empobrece a escrita; e de que o livro é produto pouco vendido, escritores vários, notoriamente jovens, surgem e movimentam a literatura e o fazer literário, configurando um fenômeno, no mínimo, contraditório e curioso. Nelson de Oliveira5, já na última década do século XX, ocupou-se em mapear a produção literária vigente reunindo em coletâneas, contos escritos por esses novos autores que vinham despertando a atenção dos leitores contemporâneos e o interesse do mercado literário. Organizou, à época, duas antologias da geração 90, pelas quais se deram a conhecer mais amplamente ou firmaram reputação autores como Marcelino Freire, Luiz Ruffato, Rubens Figueiredo, André Sant’Anna, entre outros. Com o mesmo propósito, reunir textos de escritores jovens que vêm se destacando no cenário literário, Oliveira organizou, em 2011, uma antologia de contos de autores revelados na primeira década do século XXI. Geração Zero Zero: Fricções em Rede reúne, então, vinte e um ficcionistas brasileiros que estrearam a partir do ano 2000, contribuindo para que se saiba o que vem sendo feito na literatura brasileira desde o início deste século. Beatriz Resende, em resenha6 sobre a coletânea, afirma que “Geração Zero Zero é um mapeamento sério e competente do que tem sido publicado em prosa de ficção nos últimos anos”.
Mas o projeto de conhecer, avaliar e selecionar a contística desses escritores não foi tarefa fácil. Nelson de Oliveira trabalhou por três anos na seleção dos melhores escritores, pois, conforme explica na introdução de sua antologia, “o número é gigantesco, não resta dúvida, pois nunca se publicou tanto como nesse período” (2011, p.13). Diferente das ontologias tradicionais, o organizador não se preocupou em reunir os melhores contos produzidos, visto que quase na totalidade os contos publicados na edição são inéditos, como explica: “esta não é uma seleção dos melhores contos da Geração Zero Zero, mas dos melhores autores” (2011, p.15).
Com o advento das novas tecnologias de informação e, claro, da internet – a protagonista da era digital -, a preocupação de teóricos e literatos com o futuro do livro ou da escrita literária, mostra-se descabida. Presencia-se hoje a descentralização da produção literária, a fertilidade de uma novíssima geração de escritores que soube fazer da internet um meio pelo qual chegar aos leitores sem a intervenção primeira das editoras renomadas. Escritores que através dos blogs, redes sociais e sites, inauguraram e impuseram novas formas de relação do livro com o mercado editorial e fizeram da cibercultura sua estratégia de atuação e da literatura a sua arte. Tais considerações são apontadas por Oliveira:

Muitos deles surgiram primeiro na maçaroca líquida da web. Apesar disso, a internet e suas redes sociais — sites, blogues, Orkut, Facebook, Twitter etc. — afetam essa geração apenas superficialmente. Se a internet prometeu, no seu primórdio, revolucionar a literatura por meio do hyperlink, essa promessa ainda não foi cumprida. Sites, blogues e miniblogues (Twitter) são ótimos veículos para a literatura, pois condensam numa só pessoa a figura do autor, do editor, do impressor e do livreiro. Também são ótimos veículos para a divulgação da literatura, espalhando resenhas e releases. Mas essas ferramentas digitais não representam por si sós uma nova linguagem literária. Aliás, a web ainda não conseguiu sequer modificar profundamente a estrutura literária off-line. Experiências hipertextuais como o Livro, de Mallarmé, ou O jogo da amarelinha, de Cortázar, ainda dão de dez a zero em qualquer experiência on-line. (OLIVEIRA, 2011, p. 14)

Dentre os vinte e um escritores da Geração zero zero, quatro são do Rio Grande do Sul. Figuras já conhecida no circuito literário gaúcho, Marcelo Benvenutti, Daniel Galera, Paulo Scott e Verônica Stigger foram selecionados por Nelson Oliveira como os melhores escritores do Estado. Com exceção de Galera - que nasceu em São Paulo, mas radicou-se na capital sulina desde cedo -, os escritores gaúchos participantes da coletânea, nasceram em Porto Alegre e, claro, tiveram suas primeiras obras publicadas a partir do ano 2000. Dentro da multiplicidade da literatura contemporânea há questões predominantes e preocupações comuns manifestas nessas produções. O sentido de urgência, a violência urbana, a primazia pelo grotesco e pelo bizarro, o retorno do trágico são algumas das especificidades dessa literatura apontadas por Beatriz Resende, em seu livro Contemporâneos – expressões da literatura brasileira no século XXI, (2008).
Na literatura contemporânea produzida pela então cunhada Geração Zero Zero, há estilos bem diversos, mas podemos, como explicitado, observar algumas características comuns em suas produções. Dentre os escritores gaúchos participantes da antologia de Oliveira, destacamos aqui o autor Marcelo Benvenutti que participa com três contos, a saber: O Homem que mostrava a língua; O homem que amava as gordas (e as feias também) e O Homem que suava rato. Nos textos de Benvenutti, podemos observar a angústia recorrente, a inserção do autor nas narrativas que comovem, mas não iludem, que evitam a catarse propondo, em seu lugar, a crítica. Evidentes características do momento que vive a humanidade hoje, atravessando a linguagem literária. Na produção de Benvenutti percebemos que seus protagonistas, além de também chamarem-se Marcelo (característico de suas narrativas) em dois de seus contos, confundem-se, ou fundem-se, vez ou outra com o narrador. A narrativa transita entre primeira e terceira pessoas, ora mostrando ora ocultando a presentificação do autor nos enredos urbanos que desenvolve, como exemplificado nas seguintes passagens, seguindo a ordem da disposição, dos contos O homem que mostrava a língua, seguido de O homem que suava ratos.

Um ano depois, solitário em seu quarto, janelas trancadas, Marcelo fumava o último cigarro de uma carteira vermelha. Tossia, fumava, tossia de novo. [...] saiu para beber algo. Ficar solitário junto aos outros. [...] Algumas garrafas de cerveja depois e eu já estava me sentindo melhor. Não me servia de nada a convivência com aquele bando de fracassados. Como eu. (BENVENUTTI, 2011, p. 47)

Escolhi loção. Um pouco só. Para não parecer que sou vaidoso demais. Não cai bem para um auditor da receita Federal, não é? Meu primeiro dia foi normal apesar do nervosismo. [...] Marcelo tinha que fazer uma auditoria na sede da empresa. [...] Marcelo sentia-se lesado em seus direitos fundamentais. (BENVENUTTI, 2011, p. 55-56)



2.1 O Homem Marcelo Benvenutti

Marcelo Benvenutti é escritor nascido em Porto Alegre (1970) e teve seu primeiro livro publicado em 2002, pela editora do também escritor contemporâneo Daniel Galera, a Livros do Mal. A coletânea de contos Vidas Cegas apresenta contos que tratam essencialmente da condição humana e a partir dele, Benvenutti foi considerado por Fausto Wolff um dos melhores escritores da nova geração. Nos anos seguintes Benvenutti lançou O Ovo Escocês (2003), O Livro Laranja (2004), Manual do Fantasma Amador (2005) e Arquivo Morto (2008), todos livros de contos que apresentam ao leitor , como diz Cortázar, uma síntese viva e ao mesmo tempo uma vida sintetizada, porém ao extremo. Em entrevista ao site Verbo 21, Benvenutti fala de suas criações e explica a vida contemporânea retratada em suas linhas.

Eu me interessei em mostrar, publicar que seja, meus escritos quando descobri a internet, lá por 1995. Na época tinha um zine, assim como antes xerocava alguns para os amigos, no GeoCities. Era uma pré-história dos blogs. Tudo em HTML de Netscape, mal feito mesmo, porque nunca aprendi a editar. Então, quer dizer que eu tinha lá meus 25 anos, fui publicar um livro com 31, e minhas influências ainda giravam em torno de Orwell, Huxley, Kafka e toda sorte de confusão política ou anarquista. Com o tempo, e os bares, fui criando uma comunidade, meus amigos, que orbitam num terreno etílico-roqueiro-undergroudizinho-portoalegrense que, claro, influenciou e fez uma suruba na minha mente, juntando tendências rebeldes pós-adolescentes com uma certa misantropia boêmia. Quando esse mundo se formou que esse retrato foi se fechando: vazio existencial, falta de dinheiro, classe média urbana perdida em meio a um monte de medos e neuroses. Se isso é a minha vida? É a vida de quase todo mundo, então não dá pra saber se é a minha ou a de qualquer outra pessoa.


Selecionado por Nelson Oliveira para participar na coletânea Geração zero zero: fricções em rede, Benvenutti apresenta ao leitor três contos inéditos que traduzem pedaços do real pós-moderno. As vidas narradas por Benvenutti são vidas sem ilusões, marcadas por uma falta de perspectiva de um futuro melhor, vidas enclausuradas no presente - a vida liquida sugerida por Bauman. A literatura de Benvenutti apresenta recortes de vidas cotidianas, a princípio histórias privadas que se tornam públicas por serem traduzidas em linguagem que retrata características comuns ao homem contemporâneo. Histórias curtas, breves relatos cuja trama serve de pano de fundo para problematizar a maneira como o homem contemporâneo encara o mundo em que vive e o seu cotidiano. No primeiro conto o
Homem que mostrava a língua, Benvenutti narra a vida de Marcelo, homem desiludido e solitário que vive em meio a uma desorientação e uma crise de identidade que o leva a desmotivação e ao alcoolismo, desencadeando um quadro final de apatia e até mesmo loucura. Homem cuja “solidão se dissipava pelos seus poros” e que após alguns episódios de violência e desamparo abandona-se à própria sorte, perambulando pelas ruas “até aparecer morto numa manhã enevoada de agosto” (2011, p.48). A falta de perspectiva de que nos fala Bauman e a sensação de mera sobrevivência que vive o homem contemporâneo podem ser observadas nos seguintes trechos:

Saiu do trabalho cansado. Cansado como sempre estava. Um homem como qualquer outro, trabalhando e um trabalho que não me cabe aqui dizer. Era realmente um trabalhinho medíocre, de nada. Uma droga de trabalho.Como qualquer outro homem comum que trabalhava em um trabalho qualquer, um nada, dirigiu-se para a casa envolvido em sua própria mediocridade. Desceu do ônibus e caminhando até seu apartamento deparou-se com um velho amigo sentado dentro de um pé-sujo. Um desses que não trabalham. (BENVENUTTI, 2011, p.43)

Eu era um merda. Sem vida. Sem alma. Sem pai. Sem mãe. (BENVENUTTI, 2011, p.45)

Para Bauman, os problemas ligados às identidades e aos medos do homem pós-moderno “existem porque a precariedade, a instabilidade e vulnerabilidade são as características mais difundidas das condições de vida contemporânea” (2007, p.41). O personagem de Benvenutti, Marcelo, vulnerável, vive como um “estranho” em meio às instabilidades das “convenções sociais” que acarretam conflitos existenciais. Tabagista, vê-se de repente proibido de fumar no bar que frequenta - cuja bebida e sujeira não causam desconfortos aos demais freqüentadores - depois que a TV anuncia a lei antitabagismo assinada pelo presidente. Mais tarde, na televisão, “mais uma vez ela”, Marcelo acompanha num jornal de fim de noite as “falsas leis e falsas morais” que noticia, dessa vez acerca do consumo de bebida que passa a ser encarado também como transgressor e imoral. Tentando argumentar com o dono do bar abaixo do prédio onde agora mora, diz que “num prédio onde traficantes mandavam aquilo não tinha a menor importância” (2011, p.48). Além de não convencer, Marcelo torna-se vítima da violência urbana - temática recorrente na literatura produzida por escritores da pós-modernidade como Benvenutti -, da crueldade e da barbárie desses traficantes que souberam de seu infeliz comentário. Vítima também de violência emocional e psicológica, Marcelo torna-se novamente um estranho, pois como explicita Bauman, numa sociedade que prima pela ordem, não há espaço para aqueles que não se moldam, que não se ajustam. Excluído e marginalizado pela sociedade que até então acreditava fazer parte, consumido o resto de dignidade que lhe restava, Marcelo termina os dias a perambular sozinho pelas ruas, “catando baganas inexistentes do chão”, até o fim de sua líquida e fugaz vida. Podemos entender a história de Marcelo como a fusão do que foi exposto sobre a falta de perspectiva com a qual convive o homem pós-moderno com a desorientação e, ao mesmo tempo, como “um mecanismo de defesa ante esse problema: já que não se pode ver um futuro melhor [...] tenta-se sobreviver em uma individualidade defensiva” (OGLIARI, 2007, p.53).

Fumava explodindo em risadas pelas calçadas. Discursava com uma garrafa de cachaça quase sempre vazia. De vez em quando recolhiam seu corpo para uma limpeza. Davam-lhe vermífugos. Cortavam o cabelo. Aparavam a barba. Ele olhava e só pensava em se masturbar. Mas não tinha forças. Então mostrava a língua. Não falava nada. Somente mostrava a língua. E ria alto. Muito alto. Aos poucos foi só mostrando a língua. Não ria do engraçado que não tinha graça. Não fumava o que não existia. Não bebia o que não encontrava. Não conversava com quem não lhe dava bom dia. Não respirava o ar de quem não lhe dava. Amanheceu morto numa manhã enevoada de agosto. A língua roxa caída no canto da boca. [...] Me senti como a fumaça que se desfaz. O líquido que escorre garganta abaixo. Inebriado acendi um cigarro. Deixei que a cerveja consumisse meu instante. Eu era a barbatana do tubarão. (BENVENUTTI, 2011, p. 48)

Nas palavras do organizador da coletânea, a atmosfera comum a toda a prosa contemporânea que analisou é a do bizarro. Citando o escritor irlandês Michael Foley, que defende a ideia de que “o nosso cotidiano se transformou num amontoado de bizarrices” e que o jeito é “aceitar que vivemos num mundo maluco” (2011, p.18), Oliveira explica sua visão acerca da literatura que estuda e mapeia. Para o autor:

A busca da juventude eterna, o consumismo desenfreado e a solidão coletiva das redes sociais, por exemplo, estão injetando altas doses de nonsense na realidade. [...] a melhor parcela da Geração Zero Zero está escrevendo sobre essa realidade excêntrica. (OLIVEIRA, 2011, p. 18)

Essa literatura que prima pelo grotesco e pelo bizarro está, então, representada no segundo conto que apresenta ao leitor o escritor Marcelo Benvenutti, O homem que amava as gordas (e as feias também). No conto, a personagem, que revela nunca ter sido muito adepto à estética e à higiene, ainda que amasse “o bonito”, após um casamento frustrado e opressor com uma mulher “magra. Seca. Limpa. Bonita.”, desenvolve uma “atração irresistível” por mulheres gordas e feias, ao que diz “hoje só amo o feio”. Seu interesse por mulheres gordas “no começo foi divertido”, mas torna-se obsessivo. A personagem percebe seu descontrole, mas não satisfeito decide partir “para uma estratégia mais agressiva e doentia”, engordar quinze quilos e se internar em um spa. Na clínica ao se relacionar com uma “gorda de duzentos e setenta quilos” fratura três costelas, rompe um músculo das costas e vai parar no hospital onde conhece, então a feia, enfermeira por quem se apaixona, mas que morre ao fim da história, revelando a personagem nunca mais ter amado ninguém. Além do grotesco também a inversão da ordem social pelo gosto ao “limpo” é tema presente nesse texto. Ainda a concepção de casamento para o homem contemporâneo se desenha, assim como a fluidez dos relacionamentos voláteis e líquidos também analisados por Bauman, em Amor liquido (2004):

Minha mulher não passava de alguém que me dava bom-dia e aceitava meus odores e defeitos sem reclamar. Me disseram que esse é o significado do casamento para um homem. [...] Mas o pior mesmo foi depois que tivemos um filho. Parecia que tudo iria melhorar. Mas o filho serviu apenas para escancarar ainda mais nossas diferenças. Antes que tudo se dissipasse em uma nuvem de ódio, tomei uma decisão extremamente feminina: pedi as contas. [...] Foi quando morando sozinho, sem nada para fazer à noite, [...] sem amigos, perdidos anos atrás em brigas conjugais, saí. Para a rua. (BENVENUTTI, 2011, p.50)

Tanto o título do último conto da antologia, O homem que suava ratos, quanto o enredo nos remete ao caso estudado por Freud (1907), cujo paciente vem a ser chamado de “O Homem dos Ratos”. O nome dado ao homem deriva de seu sintoma principal: uma idéia obsessiva que o atormentava, desde uma história de tortura que tinha ouvido durante o serviço militar. Ratos famintos eram colocados dentro de um re­cipiente que seria, por sua vez, acoplado às nádegas de uma pessoa devida­mente acorrentada, os ratos que tentariam fugir penetrariam no ânus do torturado. “O Homem dos Ratos” imaginava que tal tortura seria aplicada a seu pai (já falecido) e à sua esposa, mulher rica com que fora obrigado pelo pai a se casar. Com este ponto de partida, Freud estabelece a estrutura básica da neurose obsessiva, desvendando seus vários mecanismos - a ambivalência afetiva, a onipotência do pensamento mágico, a dúvida, a anulação, o isolamento, as idéias de morte.
Benvenutti, nesse conto, narra a história de Marcelo, um homem casado com uma mulher forte e em plena ascensão profissional, ao que revela “ela sempre ganhou mais que eu”. Enquanto ele perde o emprego medíocre em uma siderúrgica e se prepara, com o apoio da esposa, para um concurso da Receita Federal se apaixona por Nanda com quem acaba tendo um breve caso. Após alguns anos, já aprovado no concurso e trabalhando como fiscal da Receita ele se reencontra com Nanda e mais uma vez se relaciona com ela, ao que começa a suar ratos. Podemos notar que o futuro, assim como descreve Bauman, não é visto como promissor, não há perspectivas, “pois naquela época o futuro era uma página na boca da impressora. Só eles não sabiam que a tinta tinha acabado” (2011, p.54). Ainda que diga amar a esposa, as relações notoriamente são expostas nesse conto como fugaz e fluida, não há preocupação em preservar o casamento e sim entregar-se ao momento, ao agora que é o que se privilegia na pós-modernidade, mas sem compromissos que possam imobilizar o sujeito em tempos tão apressados. Acarreta, esse modo de viver e de se constituir o sujeito a partir do imediato, em crise de identidades de que fala Bauman.

O cheiro de Nanda inundando os papéis, as telas LCD de computador, o laptop da Receita Federal, os fungos dos documentos contábeis, as baratas das pastas A-Z. O cheiro de Nanda afogando os pensamentos de Marcelo. Agora a porta estava fechada. A sala era iluminada por janelas internas de vidro fosco. Marcelo trancou a porta. Nanda não disse nada. Largou a caixa que segurava, jogou tudo no chão. Marcelo jogou o laptop e as pastas e a possuiu ali, entre as baratas da sala de arquivos. Nanda era sua. Ainda era sua (ele continuava achando que era). (BENVENUTTI, 2011, p.56)


Nas palavras de Bauman, a dificuldade de se manter fiel a qualquer identidade ou de se adotar uma identidade definitiva, a fim de poder abandoná-la de uma hora para outra se for preciso, resulta em uma dolorosa ansiedade: “a instabilidade da identidade da própria pessoa e a ausência de pontos de referência duradouros, fidedignos e sólidos que contribuiriam para tornar identidade mais estável e segura”(2001, p.155).


CONCLUSÃO

A arte literária se transforma, se modifica, tal qual o homem e sua sociedade, carregando consigo particularidades de sua época, retratando, propositalmente ou não, os dilemas existenciais da humanidade em determinado período. A escrita da nova geração de escritores, exemplificada aqui com os contos de Marcelo Benvenutti na antologia organizada por Nelson Oliveira Geração Zero Zero: fricções em rede, tem como principal temática a falta de perspectiva. A condição de suas personagens imersos no mundo de violência, tanto física quanto psicológica e moral, no mundo liquefeito, volátil, inseguro e incerto da pós-modernidade ou, como cunha Bauman, da modernidade líquida, reduz o indivíduo contemporâneo ao acaso do agora. Homens que esgotadas ás forças para lutar contra o esmagador dia-a-dia veem-se presos ao cotidiano sobrevivencialista e ao espaço urbano decadente e amoral. O mundo é visto como algo cruel, agressivo e sem promessas de melhoras e o homem derrotado pela condição humana contemporânea é retratado como desiludido, desencantado e descrente. Homem que, em meio a sujeira, vive solitário atemorizado por suas angústias e seus temores.
É preciso lembrar, antes de finalizar, que Geração Zero Zero é uma coletânea organizada por uma pessoa que admira os escritores nela publicados e que se interessa em mapear a literatura que vem sendo produzida por essa geração pós-moderna. Porém, devemos ressaltar que toda geração não é construída por vinte e um escritores e aqui mesmo, no Rio Grande do Sul, há muito mais que quatro bons escritores. Carol Bensimon, Rafael Bán Jacobsen, Daniel Pellizzari e Ítalo Ogliari, para citar alguns, são nomes que poderiam estar neste livro. Ainda assim a ontologia é uma boa forma de conhecer esta ínfima parte da criação literária brasileira, mas não única. Para se conhecer os tempos em que se vive é preciso conhecer a literatura que nesse tempo se produz, pois, parafraseando Sartre, o escritor escolheu o mundo e a revelação do homem com outros homens para que estes adquiram toda a sua responsabilidade diante do que lhes é desnudado. A função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e que ninguém se possa dizer inocente.


REFERÊCIAS
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Trad. Mauro Gama e Claudia M. Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

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FREUD, S. O Homem dos Ratos. Disponível em: http://www6.ufrgs.br/psicopatologia/neurose_obsessiva/ana_zucatti.htm Acesso em: out. 2011

1 Mestranda PPG-Letras UniRitter, bolsista CAPES: mendez_oliveira@yahoo.com.br
2 Mestranda PPG-Letras Ufrgs: helenaleitepinto@gmail.com
3 Entrevista concedida à Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke, professora aposentada da USP e pesquisadora associada do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Cambridge (Reino Unido), para a Folha de São Paulo, em 19 de outubro de 2003.

4 Maiores esclarecimentos disponíveis em: http://culturadetravesseiro.blogspot.com.br/2011/03/teoria-dos-polissistemas-itamar-even.html

5 Nelson Oliveira é doutor em Letras pela USP e escritor. Publicou mais de vinte livros dentre os quais destacamos as duas antologias da Geração 90: Geração 90: manuscritos de computador (2001) e Geração 90: os transgressores (2003). Assim como em Geração Zero Zero, as antologias citadas contribuíram para com o mapeamento das produções literárias brasileiras da época.

6 Resenha publicada na versão digital do suplemento literário de O Globo: Prosa online. Disponível em: http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2011/06/18/beatriz-resende-resenha-antologia-geracao-zero-zero-387139.asp. Acesso em: 27 set. 2011.

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