VARIAÇÃO LINGUÍSTICA - A LÍNGUA EM MOVIMENTO




A língua é um sistema vivo e pode ser modificada por seus falantes de acordo com a situação linguística A variação linguística é um fenômeno que acontece com a língua e pode ser compreendida por intermédio das variações históricas e regionais. Em um mesmo país, com um único idioma oficial, a língua pode sofrer diversas alterações feitas por seus falantes. Como não é um sistema fechado e imutável e sim um organismo vivo e em constante mutação, a Língua Portuguesa ganha diferentes nuances. O português que é falado no Nordeste do Brasil pode ser diferente do português falado no Sul do país. Claro que um idioma nos une, mas as variações podem ser consideráveis e justificadas de acordo com a comunidade na qual se manifesta.

 As variações acontecem porque o princípio fundamental da língua é a comunicação, então é compreensível que seus falantes façam rearranjos de acordo com suas necessidades comunicativas. Os diferentes falares devem ser considerados como variações, e não como erros. Quando tratamos as variações como erro, incorremos no preconceito linguístico que associa, erroneamente, a língua ao status. O português falado em algumas cidades do interior do estado de São Paulo, por exemplo, pode ganhar o estigma pejorativo de incorreto ou inculto, mas, na verdade, essas diferenças enriquecem esse patrimônio cultural que é a nossa língua portuguesa. 

Leia a letra da música “Samba do Arnesto”, de Adoniran Barbosa, e observe como a variação linguística pode ocorrer: 



Samba do Arnesto 

O Arnesto nos convidou pra um samba, ele mora no Brás
Nós fumos não encontremos ninguém
Nós voltermos com uma baita de uma reiva
Da outra vez nós num vai mais
 Nós não semos tatu!
No outro dia encontremo com o Arnesto
Que pediu desculpas mais nós não aceitemos
 Isso não se faz, Arnesto, nós não se importa
 Mas você devia ter ponhado um recado na porta
 Um recado assim ói: "Ói, turma, num deu pra esperá
Aduvido que isso, num faz mar, num tem importância,
 Assinado em cruz porque não sei escrever.



 Há, na letra da música, um exemplo interessante sobre a variação linguística. É importante ressaltar que o código escrito, ou seja, a língua sistematizada e convencionalizada na gramática, não deve sofrer grandes alterações, devendo ser preservado. Já imaginou se cada um de nós decidisse escrever como falamos? Um novo idioma seria inventado, aboliríamos a gramática e todo o sistema linguístico determinado pelas regras cairia por terra. Contudo, o que o compositor Adoniran Barbosa fez pode ser chamado de licença poética, pois ele transportou para a modalidade escrita a variação linguística presente na modalidade oral.

As variações linguísticas acontecem porque vivemos em uma sociedade complexa, na qual estão inseridos diferentes grupos sociais. Alguns desses grupos tiveram acesso à educação formal, enquanto outros não tiveram muito contato com a norma culta da língua. Podemos observar também que a língua varia de acordo com suas situações de uso, pois um mesmo grupo social pode se comunicar de maneira diferente, de acordo com a necessidade de adequação linguística. Prova disso é que você não vai se comportar em uma entrevista de emprego da mesma maneira com a qual você conversa com seus amigos em uma situação informal, não é mesmo?


A adequação é um tipo de variação linguística que consiste em adequar a língua às diferentes situações comunicacionais A tirinha Calvin e Haroldo, do quadrinista Bill Watterson, mostra-nos um exemplo bem divertido sobre a importância da adequação linguística. Já pensou se precisássemos utilizar uma linguagem tão rebuscada e cheia de arcaísmos nas mais corriqueiras situações? Certamente perderíamos a espontaneidade da fala, sem contar que a dinamicidade da comunicação seria prejudicada. Podemos elencar também nos tipos de variação linguística os falares específicos para grupos específicos: os médicos apropriam-se de um vocabulário próprio de sua profissão quando estão exercendo o ofício, mas essas marcas podem aparecer em outros tipos de interações verbais. O mesmo acontece com os profissionais de informática, policiais, engenheiros etc.

 Portanto, apesar de algumas variações linguísticas não apresentarem o mesmo prestígio social no Brasil, não devemos fazer da língua um mecanismo de segregação cultural, corroborando com os preceitos da teoria do preconceito linguístico, ao julgarmos determinada manifestação linguística superior a outra, sobretudo superior às manifestações linguísticas de classes sociais ou regiões menos favorecidas.




 VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS E O PRECONCEITO LINGUÍSTICO 
Aceitar a existência e a importância das variações linguísticas é o primeiro passo para combater o preconceito linguístico.


 ♫ “(...) Eu canto em português errado 
Acho que o imperfeito não participa do passado
 Troco as pessoas Troco os pronomes (…)”. ♪ ♫
 (Meninos e Meninas – Legião Urbana) 



“Eu canto em português errado”. A afirmação de Renato Russo na letra da canção Meninos e Meninas é o pontapé para uma interessante investigação linguística: afinal, é possível cantar ou falar em “português errado”?

Quantas vezes ouvimos de pessoas próximas frases do tipo “eu não sei português”, “eu não gosto de português”, “eu falo errado”, “fulano fala tudo errado”, “eu já falo português, por quê preciso estudar isso?”, entre outras afirmações e questionamentos que fazem com que nossa língua pareça um mistério insondável? É possível que você, falante da língua portuguesa, possa não saber nada sobre seu próprio idioma? Ou saber tudo a ponto de não precisar adentrar nas minúcias gramaticais? Pois bem, quando o poeta gritou para o mundo que “canta em português errado”, na verdade ele sabia que, às vezes, “falar errado” deixa o idioma mais, digamos assim, palatável.

Por exemplo, segundo a gramática, o verbo namorar é transitivo direto, ou seja, ele não aceita preposição. Mas atire a primeira pedra quem nunca disse que “namora com alguém”, não é mesmo? Outro exemplo: você diz “eu te amo” ou “amo-te”? A primeira opção é uma preferência nacional, a menos que você seja um linguista fanático por gramatiquices que não suporta variações na modalidade oral. Essas questões nos fazem refletir sobre as variações linguísticas, que são, e devem ser, admitidas na fala. Dizer que alguém fala o português melhor ou pior do que alguém só reforça a cultura do preconceito, tão presente em nossa sociedade, que aqui ganha roupagem de preconceito linguístico.


 A gramática é um compêndio de regras importantes para a manutenção do idioma. Imagine se não tivéssemos um manual ao qual pudéssemos consultar na ocorrência de uma dúvida? Imagine se as regras não existissem e, por esse motivo, cada falante resolvesse estabelecer suas próprias normas? Viveríamos em uma verdadeira “torre de Babel”, e nossa língua portuguesa estaria fadada ao esquecimento. Quando falamos em preconceito linguístico, não estamos propondo que os falantes rasguem a gramática, mas sim que considerem as duas modalidades do idioma: oral e escrita, assim como a existência de uma língua culta e de uma língua coloquial. Dizer que alguém “fala errado” desconsidera diversos fatores extralinguísticos, como as variações existentes em cada comunidade, cada região, cada contexto cultural.

 Renato Russo cantava em “português errado” porque ele sabia que algumas escolhas linguísticas tornam o idioma mais expressivo, já que usar a gramática normativa parece deixar a fala um tanto “sem graça”. Estamos falando de uma licença poética, permitida na linguagem literária, portanto, quando a necessidade pedir que você escreva um texto não literário, prefira a norma-padrão culta, pois, na escrita, o que vale é o respeito às regras gramaticais. Quanto à fala, nada de ficar apontando os “erros” dos outros falantes, lembre-se de que existem outros contextos culturais diferentes do seu. O uso é o que torna a língua viva. Tomemos como exemplo o fragmento do poema de Manuel Bandeira:

[...] A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros 
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
 Língua certa do povo
 Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil 
Ao passo que nós 
O que fazemos
 É macaquear A sintaxe lusíada [...]" .
 (Evocação do Recife – Manuel Bandeira)







 TIPOS DE VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS 



A língua apresenta tipos de variações linguísticas, estando estas relacionadas a distintos fatores Estamos inseridos em uma sociedade dinâmica, que se transforma com o passar do tempo e acaba transformando o modo pelo qual as pessoas estabelecem seus relacionamentos interpessoais. Um bom exemplo de tais mudanças é a linguagem dos internautas, que em meio a tantas abreviações e neologismos termina por criar um universo específico no qual somente os interlocutores são capazes de decifrar o vocabulário por eles utilizado.

Partindo dessa prerrogativa, ocupemo-nos em discorrer acerca dos tipos de variações que as línguas apresentam, os quais dependem de fatores específicos, tais como condição social, faixa etária, diferenças existentes entre uma região e outra, enfim...Assim sendo, constatemos algumas elucidações e casos representativos de tais variações. Entre elas, destacamos:


 VARIAÇÃO DIACRÔNICA 
A palavra diacrônica vem de chronus (em latim) que significa tempo. Assim, diacrônica é a variação da linguagem que se percebe com o passar do tempo. Pense em algumas palavras que seus avós usavam e que hoje já não usamos mais. Talvez você reconheça exemplos como: “ela é uma moça prendada”, “o rapaz é um pão”.

 VARIAÇÕES DIATÓPICAS
 São as variações ocorridas em razão das diferenças regionais, como, por exemplo, a palavra “abóbora”, que pode adquirir acepções semânticas (relacionadas ao significado) em algumas regiões que se divergem umas das outras, como é o caso de “jerimum”, por exemplo


VARIAÇÕES DIAFÁSICAS
 Representam as variações que se estabelecem em função do contexto comunicativo, ou seja, a ocasião é que determina a maneira como nos dirigimos ao nosso interlocutor, se deve ser formal ou informal.


 VARIAÇÕES DIASTRÁTICAS 
São aquelas variações que ocorrem em virtude da convivência entre grupos sociais. Como exemplo podemos citar a linguagem dos advogados, dos surfistas, da classe médica, entre outras.

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Fonte: http://portugues.uol.com.br/redacao/variacao-linguistica-lingua-movimento.html

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