Todas as manhãs a prostituta
batia no tapete indiano. Despedia-se dos conhecidos amantes, aos
arrumava a cama com doentia organização, e o passava nas mãos,
esmurrando-o com fúria incontrolável.
Diziam as vizinhas que ela o
espancava de forma comovedora.
Como vingar-se? O tapete esperava
por uma oportunidade, mas não surgiam as condições. Era
posto sobre o chão, ou pendurado na cerca. Humilhava-o o fato de ter
parado na zona de prostituição, de origens tão indignas.
Passaram-se os anos. Mais velho o
tapete, mais velha a prostituta. Inúmeras as mudanças, perspectiva
de fatal decadência. Enfim, a ruína eterna, a podridão maior, a
impossibilidade de existir. Eis a prostituta: animal, verdes
pelancas, equilibradas na lembrança dos ossos adolescentes.
Estamos no inverno, brutal, a
geada cobrindo os pastos, as paisagens europeias nas retinas,
renascidas. Não há mais camas, nem os lençóis sujos de tão
amados calores. O tapete sob o braço esquerdo, caminha a prostituta,
amparando-se nos muros, caída agora, pálida-cansada.
Que estranho o olhar do tapete
indiano! Bastou Adriana encolher as pernas, cerrar as
pálpebras, para envolver-se, rápido, no pescoço. Apertou aos
poucos, esbugalhados os olhos, enigmático o sorriso dentro da noite.
Enrolou-se e fugiu, aproveitando a escuridão para enfiar-se no mais
próximo esgoto, à beira da calçada.
In: Os milagres do cão Jerônimo ; Alçapão para gigantes / Péricles Prade. – 1. ed., 1. reimp. – Florianópolis : Editora da UFSC, 2019. 85 p.
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