A proposta hoje é sintetizar as principais ideias e conceitos do Círculo de Bakhtin, apontados por Carlos Alberto Faraco, no segundo capítulo da obra “Linguagem & Diálogo: As ideias do Círculo de Bakhtin”, denominado “Criação Ideológica e Dialogismo”. O chamado Círculo de Bakhtin trata-se, explica o autor, de um grupo multidisciplinar de intelectuais russos que se reuniam regularmente entre 1919 e 1929. Para Faraco, três desses intelectuais merecem atenção – Bakhtin, Voloshinov e Medvedev –, não só devido à confusão de autoria dos textos que produziram, mas também pela representatividade desses a cerca do pensamento do Círculo.
Primeiramente, Faraco acredita necessário esclarecer o sentido do emprego do termo ideologia nos textos do Círculo. Visto que os estudos do grupo se voltam ao universo da criação ideológica, costumeiros mal-entendidos acarretam interpretações errôneas, de sentido restrito e até negativo das ideias cruciais desses estudiosos. Assim, esclarece Faraco, ideologia é o nome que o Círculo costuma dar, então, para o universo que engloba a arte, a ciência, a filosofia, o direito, a religião, a ética, a política, ou seja, todas as manifestações superestruturais (p.46).
Visto o sentido da palavra “maldita”, Faraco ocupa-se em explanar que para o Círculo todo e qualquer enunciado se dá na esfera de uma das ideologias, ou seja, no interior de uma das atividades humanas. Sendo o sujeito um ser social, imerso em uma determinada cultura, logo todo enunciado expressa consigo o posicionamento do sujeito, com o que, para o Círculo não há enunciado neutro. Tudo que é ideológico possui um significado e é, portanto, um signo, conclusão que se reflete na afirmativa de Bakhtin que diz que sem signo não existe ideologia, firmando com isso que o universo da criação ideológica é de natureza semiótica.
Os signos, para o Círculo de Bakhtin, realizam duas operações simultâneas: refletem e refratam o mundo, sendo a refração uma condição necessária do signo: não é possível significar sem refratar. Faraco explicita que isso se dá porque as significações não estão no signo em si, pois são construídas na dinâmica da história e estão marcadas pelas diversificadas experiências dos sujeitos, com seus valores, contradições e interesses sociais (p.51). Com a dinâmica da história, cada grupo em cada época recobre o mundo com múltiplas significações e diferentes vozes sociais que participam dos processos de significações, daí resultando as inúmeras semânticas, as várias verdades, os vários pontos de vista e posições com que atribuímos sentido ao mundo (p.52). Estes novos aspectos, aponta Faraco, dão significado ao que Bakhtin chama de línguas sociais – complexos semióticos axiológicos com os quais determinado grupo humano diz o mundo (p.56).
Elemento também forte do pensamento do Círculo é a dialogização das vozes sociais que é, em poucas palavras, a dinâmica, a relação dialógica estabelecida no encontro sociocultural dessas vozes que se dão em uma intrincada cadeia responsiva – os enunciados, ao mesmo tempo que respondem ao já dito (não há uma palavra que seja a primeira ou a última), provocam continuamente as mais diversas respostas (p.58). Para caracterizar essa dinâmica inerente à criação ideológica, o Círculo de Bakhtin adota, então, a metáfora do diálogo que, conforme Faraco, dará um arremate às reflexões do Círculo sobre a linguagem e sobre a criação ideológica em sua totalidade [...] (p.73). Para Bakhtin, a vida humana é dialógica e ser significa se comunicar, o que resulta no que Faraco chama de utopia bakhtiniana de um mundo polifônico. O termo polifônico a que se refere Bakhtin vai além do conceito da multiplicidade de línguas sociais, pois se trata de um mundo de vozes plenivalentes em relações dialógicas infindas (p.79).
Exposto que ser é se comunicar, Faraco parte para a noção de lógica do sujeito ideológico. O sujeito, mergulhado nessas múltiplas interações socioideológicas vai se constituindo discursivamente, assimilando e internalizando vozes sociais múltiplas. Com isso, afirma o Círculo que nossos enunciados emergem da multidão das vozes interiorizadas, mas, esclarece Faraco, recusando o determinismo absoluto e afirmando a singularidade, afirma o Círculo também que cada ser humano ocupa um lugar único e insubstituível, na medida em que cada um responde às suas condições objetivas de modo diferente de qualquer outro (p.86). O sujeito tem, desse modo, a possibilidade de singularizar-se, de assumir a posição autoral. O autor criador, entende o Círculo, é como uma posição estético-formal cuja característica básica está em materilaizar certa relação axiológica com o herói e seu mundo (p.89). O autor criador, não é passivo, não se presta ao papel especular de mero registro da vida. Ele os recorta e os reorganiza esteticamente a partir de sua posição axiológica, refratando e refletindo a realidade.
Bakhtin foi, portanto muito além da filosofia das relações ideológicas criada por ele e por seu círculo e se pôs a sonhar com a possibilidade de um mundo radicalmente democrático, pluralista, de vozes eqüipolentes, em que, dizendo de modo simples, nenhum ser humano é reificado; nenhuma consciência é convertida em objeto de outra; nenhuma voz social se impõe como a última e definitiva palavra. (p.79).
Encerrando o capítulo, Faraco aponta que o todo estético condensa uma complexa rede de relações axiológicas envolvendo três grandes constituintes imanentes: o autor, o receptor e o herói (p.97). Com isso, fica claro que a ideia central do Círculo é a função social do sujeito, ou a sua condição e constituição social inegável, pois, como afirmado em Marxismo e a Filosofia da Linguagem, na constituição do sujeito, o signo ideológico parte do exterior para o interior, ou seja, do social para o individual, e a palavra nada mais é do que produto de interação viva das forças sociais.
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