Indústria Cultural e Sociedade - Theodor Adorno


Theodor Adorno, filósofo alemão, autor canônico muito citado quando o tema se refere à indústria cultural. Adorno, de descendência judaica, nasceu em Frankfurt, Alemanha, em 1903, conviveu com artistas, músicos e intelectuais da época. Jovem leitor de Kant, estudioso das artes e em especial do cinema. Na década de 1903, em razão das perseguições nazistas aos judeus e aos socialistas, emigrou para os Estados Unidos (1938-1946), juntando-se a outros pensadores e cientistas famosos. Com o final da guerra voltou para a Alemanha.

Fazia parte da Escola de Frankfurt, fundada em 1923, dedicada ao estudo de pensamento filosófico, sociológico e a pesquisa social, de cunho marxista. Contemporâneo e amigo de Max Horkheimer, publicaram em 1947, em Amsterdã a “Dialética do Esclarecimento", quando foi empregada a expressão “industria cultural”.

Os filósofos representantes da Escola de Frankfurt – Adorno, Horkheimer, Benjamin, Marcuse e outros – se preocupavam com a “crise da razão contemporânea”, destacavam a necessidade de autocrítica, como parte da recuperação da razão ameaçada pelo domínio da técnica. Utilizando o conceito de Iluminismo em sentido mais amplo que no século XVIII, buscavam o domínio do raciocínio para pensar filosoficamente a realidade contemporânea.

Estudando a mídia norte americana, Adorno sustenta que o lazer não era mais simples diversão ou entretenimento. Havia um imenso maquinismo denominado “indústria cultural”, visando obter um comportamento dócil e uma multidão domesticada, através da exploração sistemática dos bens culturais.

As produções desta “indústria cultural”, introduzida como mercadorias, aliadas ao espírito de concentração capitalista perseguiam atitudes passivas de seus consumidores e, buscavam um “cidadão conformista” que não tinha nada em comum com o uso da razão e da liberdade, a arte, especialmente o cinema, se tornou mãos a expressão da racionalidade técnica que instrumento de lazer.

Segundo o seu biógrafo Stefan Müller Doohm, Adorno foi um dos responsáveis pelo despertar da consciência e da auto-análise no pós-guerra.

Seus ensaios apresentados em Indústria Cultural e Sociedade (editora Paz e Terra, 2011) – a saber: A indústria cultural: o iluminismo como mistificação das massas; Crítica cultural e sociedade; e Tempo livre – se constituem em leitura indispensável para a reflexão filosófica de todo aquele que se preocupa com a identidade do homem contemporâneo e as amarras invisíveis dos mecanismos do poder econômico.

Faleceu em 1969, constrangido com seus alunos ultra-esquerdistas, do movimento estudantil de 1968.

Palmira Petratti Teixeira.
Doutora em História pela USP.
Texto de apresentação do livro "Indústria Cultural e Sociedade",
de Theodor Adorno: Editora Paz e Terra, 2011.



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EXCERTOS DE "TEMPO LIVRE"

A questão do tempo livre: o que as pessoas fazem com ele, que chances eventualmente oferece o se desenvolvimento, não pode ser formulada em generalidade abstrata. A expressão [...] aponta a uma diferença específica que o distingue do tempo não livre, aquele que é preenchido pelo trabalho e, poderíamos acrescentar, na verdade, determinado desde fora. O tempo livre é acorrentado ao seu oposto. Esta oposição, a relação em que ela se apresenta, imprimi-lhe traços essenciais. [...] o tempo livre dependerá da situação geral da sociedade. (p. 103)
[...] a existência que a sociedade impõe às pessoas não se identifica com o que as pessoas são ou poderiam ser em si mesmas. Decerto, não se pode traçar uma divisão tão simples entre que as pessoas em si e seus assim chamados papéis sociais. Estes penetram profundamente nas próprias características das pessoas, em sua constituição íntima. Numa época de integração social sem precedentes, fica difícil estabelecer, de forma geral, o que resta nas pessoas, além do determinado pelas funções. (p.104).

Em entrevistas e levantamentos de dados, sempre se é questionado sobre o seu hobby. Quando as revistas ilustradas informam a respeito de algum figurão da indústria cultural, falar dos quais é, por sua vez, a ocupação principal da industria cultural, poucas vezes perdem o ensejo de relatar algo mais ou menos íntimo sobre os hobbies dos mesmos. Quando me toca essa questão, fico apavorado: Eu não tenho qualquer hobby. Não que eu seja uma besta de trabalho que não sabe consigo nada além de esforçar-se e fazer aquilo que deve fazer. Mas aquilo com que me ocupo fora de minha profissão oficial é, para mim, sem exceção, tão sério que me sentiria chocado com a ideia de que se tratasse de hobbies, portanto ocupações nas quais me jogaria absurdamente só para matar tempo [...]. Compor música, escutar música, ler concentradamente, são momentos integrais da minha existência, a palavra hobby seria escárnio em relação a elas (p.105).

Simultaneamente, a distinção entre trabalho e tempo livre foi incutida como norma a consciência e inconsciência das pessoas. Como, segundo a moral do trabalho vigente, o tempo em que se está livre do trabalho tem por função restaurar a força de trabalho, o tempo livre do trabalho – precisamente porque é um mero apêndice do trabalho – vem a ser separado deste com zelo puritano. [...] deve o tempo livre, provavelmente para que depois se possa trabalhar melhor, não lembrar em nada o trabalho. Esta é a razão da imbecilidade de muitas ocupações do tempo livre. Por baixo do pano, porém, são introduzidas, de contrabando, forma de comportamento próprias do trabalho, o qual não dá folga às pessoas. (p. 107)

[...] a própria necessidade de liberdade é funcionalizada e reproduzida pelo comércio; o que elas querem lhes é mais uma vez imposto. [...] as pessoas não percebem o quanto não são livres lá onde mais livres se sentem, porque a regra de tal ausência de liberdade foi abstraída delas (p. 108).

O tédio existe em função da vida sob coação do trabalho e sob a rigorosa divisão do trabalho. Não teria que existir. Sempre que a conduta no tempo livre é verdadeiramente autônoma, determinada pelas próprias pessoas enquanto seres livres, é difícil que se instale o tédio; [...] Se as pessoas pudessem decidir sobre si mesmas e sobre suas vidas, se não estivessem encerradas no sempre-igual, então não se entediariam (p. 110).

Sob as condições vigentes, seria inoportuno e insensato esperar ou exigir das pessoas que realizem algo produtivo em seu tempo livre, uma vez que se destruiu nelas justamente a produtividade, a capacidade criativa [...]. O que produzem tem algo de supérfluo (p. 111).

Tempo livre produtivo só seria possível para pessoas emancipadas, não para aquelas que, sob a heteronomia, tornam-se heterônomas também para si próprias. (p.113)

Ideologia da personalização: consiste em atribuir-se importância desmedida a pessoas individuais e a relações privadas contra o efetivamente determinante, desde o ponto de vida social, evidentemente como compensação da funcionalização da realidade (p. 115).


Arquivo Cultura de Travesseiro


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Comentários

  1. Considerando o texto Tempo Livre, estabelecer as possíveis relações entre: Tempo livre, tempo não livre, diversão, hobby e tédio.

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