Bakhtin e Bourdieu

Publicada primeiramente em 1929, em “Marxismo e Filosofia da Linguagem” (pdf) Bakhtin desenvolve uma reflexão sobre a filosofia da linguagem, abordando a ótica da teoria marxista que, segundo o autor,  encontra-se frente a uma árdua tarefa; a procura de uma abordagem objetiva, porém refinada e flexível, do psiquismo subjetivo consciente do homem, que, em geral, é analisado pelos métodos de introspecção.(p.34).

Através de exemplificações coerentes, Bakhtin afirma que tudo o que é ideológico é um signo, visto que tudo que é ideológico possui um significado que remete a algo situado fora de si. Adquirindo, assim, um sentido que ultrapassa suas particularidades, o signo não pode ser tomado como algo que existe apenas como parte de uma realidade, pois ele também reflete, refrata uma outra. Todo o corpo físico, todo produto material ou ideológico pode ser convertido em signo, afirma o filosofo, concluindo que ao lado desses existe um universo particular, que denomina o universo de signos.

Para o filósofo da linguagem, a compreensão dos signos dá-se em ligação com a situação, o contexto em que ele toma forma e esse contexto, essa situação é sempre social. O signo ideológico na constituição do sujeito, afirma Bakhtin, parte do exterior para o interior, ou seja, do social para o individual, e a palavra nada mais é do que produto de interação viva das forças sociais. Na construção de sua filosofia da linguagem, o autor passa a valorizar a fala – a enunciação -, deixada de lado por Saussure. Opera este o resgate do sujeito nos estudos linguísticos, pensando as relações da linguagem como um todo, vista do ponto de vista da interação humana. Os conceitos de Bakhtin se contrapõem à concepção de língua como sistema sem sujeito, pois é preciso considerar que o organismo humano não pertence a um meio natural abstrato, mas faz parte integrante de um meio social específico (p.53).

Diante de tais conceitos, estranho seria não associar as teorias de Bakhtin aos conceitos do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Ainda que entre os dois teóricos existam pontos cruciais de convergência , ambos tratam de reinserir o sujeito nos objetos de estudo de suas respectivas áreas de conhecimento, tratando de situá-los em uma dinâmica social. Tanto para Bakhtin quanto para Bourdieu o sujeito se constitui do social para o individual, ao que podemos inferir que os sujeitos são formados pela incorporação de disposições (habitus) produzidas no interior de um dado espaço social (campo). Tais concepções rompem com o subjetivismo “transcendental”, tanto da língua - na visão de Vossler -, quanto da literatura – na visão de Hegel.

Bourdieu, em suas análises sobre o campo literário, busca romper com a concepção de literatura - para Bakhtin o ato de fala impresso (p.123) -, entendida, ainda hoje, como um bem predominantemente espiritual, produzido pela inspiração de um artista isolado na sublime profissão. A perspectiva de Bourdieu é antes relacional, compreendendo as manifestações literárias a partir de posições ocupadas no interior de um campo - espaço autônomo, onde ocorrem relações entre agentes, que atuam segundo certas leis e regras, as quais acarretam a incorporação de habitus, conceito assim definido pelo autor:

[...] sistema de disposições inconscientes que constitui o produto da interiorização das estruturas objetivas e que, enquanto lugar geométrico dos determinismos objetivos e de uma determinação, do futuro objetivo e das esperanças subjetivas, tende a produzir práticas e, por esta via, carreiras objetivamente ajustadas às estruturas objetivas (BOURDIEU, 1994).

Ao conceber seu objeto, as obras, não apenas como produtos finais, depósito de valores do espírito, mas como produções resultantes de ações humanas concretas inseridas em um sistema cultural, Bourdieu se aproxima de Bakhtin que, sobre os estudos da língua diz:

A separação da língua de seu conteúdo ideológico constitui um dos erros mais grosseiros do objetivismo abstrato. Assim, a língua, para a consciência dos indivíduos que a falam, de maneira alguma se apresenta como um sistema de formas normativas. O sistema linguístico tal como é constituído pelo objetivismo abstrato não é diretamente acessível à consciência do sujeito falante, definido por sua prática viva de comunicação social (p. 96).
Algumas outras aproximações e associações relevantes poderiam ser analisadas e apontadas no que diz respeito à aproximação das teorias desses dois autores-filósofos. Mas, por ora, careço da apropriação de algumas leituras para dar sustentação a tal feito, leituras essas que já selecionadas, aguardam minha atenção. Mais informações, por sua vez, podem ser encontradas no excelente artigo da Prof. Sheila Vieira de camargo Grillo - "A noção de campo nas obras de Bourdieu e do Círculo de Bakhtin: suas implicações para a teorização dos gêneros do Discurso". Revista da ANPOLL. São Paulo: v. 19, p. 151-184, 2005.


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