Educação como Redenção da Sociedade

Artigos desta matéria:
1. A Função da Escola
1.1 Escola como Redentora da Sociedade
1.2 Escola como Reprodutora da Sociedade
1.3 Escola como Transformação da Sociedade



Continuação do artigo 'A Função da Escola'. (aqui)

 Vimos no artigo A Função da Escola que educação está eivada de sentidos, valores, conceitos e finalidades que a norteiam desde os seus primórdios. O sucinto estudo diacrônico representado no artigo anterior, tornou visível, e óbvia, a compreensão da interligação consonante entre ensino e sociedade no seu percurso evolutivo. Mas que sentido pode ser dado à educação, como um todo, dentro da sociedade? A resposta a essa indagação configura os diferentes grupos, ou melhor, as diferentes tendências filosóficas de interpretação do papel da educação na sociedade, nos seus diferentes estágios evolutivos. As principais tendências são expressas pelos seguintes conceitos: educação como redenção; educação como reprodução; e educação como transformação da sociedade (SAVIANI, 1987).

A primeira tendência de que iremos tratar - a educação como redentora social - concebe a sociedade um todo orgânico que deve ser mantido e restaurado através da educação, pois o que importa é conservar e consolidar os conceitos, crenças e valores éticos que tornam possível a convivência em sociedade. A educação, nessa tendência, tem por finalidade a adaptação do individuo a sociedade. É preciso, pela educação, amar a sociedade, restabelecer a ordem e integrar os indivíduos no todo social anteriormente definido, ou seja, a educação deve servir para reforçar os laços sociais, promover a coesão social e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social (SAVIANI, 1987).

A educação, nesse contexto, tem poderes quase que absolutos sobre a sociedade, uma vez que a ela é atribuída, além da capacidade de direcionar a vida social, a força de redimir a sociedade. Um modelo clássico do pensamento de educação como redenção, encontra-se em Comênio , educador considerado o pai da educação, autor da clássica obra “Didática Magna: Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos”, publicada em 1657. (Acesse a obra em pdf aqui)

Comênio parte da compreensão de que o mundo foi criado bom e harmônico por Deus e que, pela desobediência, o homem gerou o desequilíbrio e introduziu o pecado, desviando-se da harmonia primitiva do paraíso. O rompimento e a quebra do equilíbrio ecoaram na sociedade, a qual o autor julgava viver em meio à desordem e ao caos. Mas nem tudo estaria perdido, pois a harmonia divina poderia ser restabelecida a partir da regeneração e da redenção da sociedade. Mas como iniciar esse processo de recuperação? Comênio aponta, então, que a educação, de crianças e jovens (a nova geração), é o meio mais eficaz para a redenção da sociedade, a fim de restabelecer, investindo e ensinando gerações futuras, a moral entre os homens.

Essa concepção perdurou por épocas. Como vimos, até o início do século XIX ainda se temia a adesão ao ensino obrigatório, estendido a todos, por medo de que a educação transgredisse a sua função original de mantenedora da ordem social. Acreditava-se, até o início do século XIX, que a educação igualitária e abrangente seria prejudicial à sociedade, pois, ao estudar, os indivíduos passariam a almejar posições outras na sociedade de classes, causando conflitos e alterações na ordem.

Para finalizar essa primeira tendência, vale ressaltar que a tendência redentora da educação não está erradicada. Ainda hoje se faz presente a ideia de redenção social através do ensino. Basta observar criticamente às escolas contemporâneas e a seus professores, para identificarmos resquícios da ‘educação redentora’. Quantas escolas públicas, mantidas pelo Estado, ainda conservam o chamado ‘ensino religioso’[1] em seus currículos? Quantos educadores ingenuamente acreditam que, através de suas ações e de seus métodos de ensino, estão contribuindo para a restituição moral e o restabelecimento da ordem social? Para Dermeval Saviani, essa tendência de atribuir à educação a finalidade de redenção social é a adoção de uma teoria não crítica da educação, uma vez que não leva em conta a contextualização crítica da educação dentro da sociedade da qual participa (SAVIANI, p.9).


Angela Francisca Mendez de Oliveira

[1] Pensamos que a escola enquanto instituição de responsabilidade do Estado tende a ocupar-se dos interesses desse, ou seja, o estabelecimento e manutenção da ordem social e de seus valores morais, o que nos levou a associar tal prática àquela tendência que compreende a educação como redenção da sociedade. Conseguintemente, o fato de a escola ainda hoje ter como obrigatório o ensino religioso, poderia, também, ser associado à tendência da educação como reprodução da sociedade, visto que tanto essa quanto o Estado edificaram-se, e mantêm-se, com base nas morais ditadas pela igreja. Dessa forma, o ensino religioso nas escolas do Estado poderia perfeitamente configurar a tendência reprodutora, principalmente no Brasil onde a sociedade, quase que homogeneamente, orienta-se pelas leis da igreja católica e defende suas práticas, reproduzindo suas ideias e ideias sem refletir sobre tais. Ainda que adote, vez ou outra, uma postura crítica diante aos ditames da igreja, a sociedade não propõe ou se permite ações sobre essa. Trata, ao contrário, de perpetuá-la e a educação, sua reprodutora, é o meio pelo qual a pereniza-se. Podemos, contudo, concluir que a educação, como aí está, oscila entre a tendência redentora e a tendência reprodutora, não sem procedentes, então, sua calamitosa situação.


Comentários

  1. http://culturadetravesseiro.blogspot.com/2010/12/educacao-como-redencao-da-sociedade.html

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