Benveniste afirma que “em todas as línguas que possuem um verbo, classificam-se as formas da conjugação segundo a sua referência à pessoa” (247). Em outras palavras, o verbo é submetido à categoria de pessoa e não existe, ou não se conhece, uma língua dotada de um verbo do qual não exerça, a pessoa, sua distinção de uma outra maneira.
Em Problemas de Linguística Geral, Benveniste também diz que “uma teoria linguística da pessoa verbal” só é possível sobre as oposições que tornam possível a diferenciação entre as pessoas. Citando as definições de pessoa/sujeito expostos nas gramáticas árabes, o autor define, então, a primeira pessoa – EU – como “aquele que fala”; a segunda pessoa – TU – “aquele a quem nos dirigimos” e a terceira pessoa – ELE – “aquele que está ausente”. E explicita: “a terceira pessoa não é uma pessoa; é inclusive a forma verbal que tem por função exprimir a não-pessoa”.
A oposição entre as segunda e primeira pessoa do verbo e a terceira é a correlação de personalidade anunciada por Benveniste “eu-tu possui a marca de pessoa; ele é privado dela”. Eu e tu são ambos marcados pela presença da pessoa, portanto se opõem um ao outro: “a segunda pessoa é aquele a quem a primeira pessoa se dirige, logo tu representa uma pessoa que não eu”.
A oposição entre “a pessoa eu”, termo cunhado por Benveniste, teórico no qual este trabalho tem seu alicerce, e a “pessoa não eu” é o que define a correlação de subjetividade. O que define e diferencia eu e tu é primeiramente o fato de ser eu / interior - , enunciado a tu / exterior , dentro da realidade do diálogo. Realidade essa que ao pronunciar-se “eu” presumimos ou suscitamos uma pessoa fictícia e instituímos uma relação entre eu e essa quase-pessoa. Benveniste assim resume essa correlação de subjetividade:
“quando saio de mim para estabelecer uma relação viva com um ser, encontro ou proponho necessariamente um tu que é fora de mim, a única pessoa imaginável. Essas qualidades de interioridade e de transcendência pertencem particularmente ao eu e se invertem em tu. Poder-se-á, então, definir o tu como a pessoa não subjetiva, em face da pessoa subjetiva que eu representa; e essas duas “pessoas” se oporão juntas à forma de “não-pessoa” ( =”ele” )”.
O autor mostra, então, que as três pessoas firmadas na enunciação são definidamente diferentes entre si, sendo que a primeira e a segunda pessoa possuem traços comuns (correlação de subjetividade) que as diferenciam da terceira pessoa – não determinada (não-pessoa). Devemos ressaltar que é o enunciado, ou a enunciação, que especifica e determina “o que é pessoa e o que não é pessoa”, uma vez que somente via enunciado é que identificamos quem participa ou não da comunicação.
Não podemos, ainda, deixar de citar que a terceira pessoa apresenta uma forma de feminino, diferente da primeira e segunda pessoa, e de plural, apresentando uma pluralização de pessoas, como a exemplo do ‘nós’ que apresenta três objetos:
1. Nós Inclusivo: quando ao ‘eu’ se acrescenta um ‘tu’ (singular ou plural)
2. Nós Exclusivo: quando ao ‘eu’ juntam-se ‘ele’
3. Nós Misto: quando ‘eu ‘ junta-se a ‘tu’ e ‘ele’
Basicamente, extraindo do exposto teórico, verificamos que três conjuntos de morfemas expressam a pessoa: pronomes pessoais retos e oblíquos; pronomes possessivos e as desinências verbais (número/pessoa). Mas, não se pode saber o sentido de pessoa na comunicação sem a presença dos marcadores de espaço (como advérbios de lugar e pronomes demonstrativos) ou os marcadores de tempo ligados diretamente à questão da referência à enunciação. Esses marcadores são os dêiticos que, por sua vez, só podem ser entendidos dentro da situação de comunicação escrita, se explicitado o contexto.
Benveniste, sobre o conceito de ‘ego’, explica que a condição de linguagem é constitutiva da pessoa, pois implica reciprocidade, ou seja, que ‘eu’ me dirija a um ‘tu’ e que esse interlocutor (tu) transforme-se no ‘eu’, dirigindo-se a mim como um ‘tu’. A primeira pessoa (eu) é aquele que fala, a segunda aquele a quem nos dirigimos e a terceira é aquele que está ausente – uma não-pessoa. Nenhum dos dois se concebe sem o outro.
Eu e tu são vazios de referência, sendo somente preenchido no exercício da língua, no discurso. Não posso colocar-me como sujeito fora da língua, fora do discurso, pois, concluindo com mais uma citação de Benveniste, “é na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de “ego”.
Angela Francisca Mendez de Oliveira
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Gostei muito,nunca mais havia visto seu blog,parabéns pelo post.
ResponderExcluirADOREI
Prezada Angela Francisca
ResponderExcluir(belo nome)
Interesssante... muito. Entendi essa historinha do Ele estar "ausente", muito embora Ele possa estar na vizinhança espacial e tão próximo quanto o Tu. Lacan escreveria um tratado sobre a matéria.
No Latim Clássico não existem pronomes do caso reto para a terceira pessoa do singular. Fazia-se uso de pronomes demonstrativos (Is Ea,Id)para indicar essa ausência.
Mas, porém, todavia... o que dizer do Você, que está no lugar do Tu e também do Ele. Que tal Vc desenvolver isso um pouco?
Acho que poderia ser acrescentado mais um "conjunto de morfemas" para exprimir a pessoa, como mencionado no post, qual seja, o conjunto "pronomes demonstrativos".
Estou desenvolvendo um blog polêmico (só uns 10% prontos) e vou citá-la.
http://psico-sintese.blogspot.com/2010/10/psicosintaxe.html
Veja também no Menu o capítulo V-PseudoEgo;
Parabéns pela provocação de um post que intriga.
Luis Alfredo