Escritores Criativos e Devaneios - Um Conceito de Literatura


“O escritor escolheu o mundo e especialmente a revelação do homem aos outros homens para que estes adquiram, em face do objecto assim desnudado, toda a sua responsabilidade. Ninguém pode fingir ignorar a lei, porque há um código, e porque a lei é coisa escrita: depois disto, pode infringi-la, mas sabe os riscos que corre. Do mesmo modo, a função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e que ninguém se possa dizer inocente”. (Jean-Paul Sartre)



Freud está tornando-se fihura popular aqui no blog. Abordamos anteriormente o Mal-Estar na Civilização e hoje falaremos de um texto um pouco mais poético  produzido pelo psicanalista - Escritores Criativos e Devaneios.  Antes de adentrarmos nos escritos de Freud, porém, faz-se pertinente uma breve excursão pelo conceito de literatura que, já no primeiro parágrafo, o psicanalista deixa visível  em suas entrelinhas. Aproveitaremos a deixa, com ressalvas à licença poética,  para trazermos essa concepção de Literatura que nos tem guiado em trabalhos e leituras. Modesto, incluindo-se como “leigo”, e curioso, Freud se pergunta:  de que fontes esse estranho ser, o escritor criativo, retira seu material [...]. Justamente aqui encontramos o nosso mote e nos deteremos por instantes. 

Nós, leigos, sempre sentimos uma intensa curiosidade - como o Cardeal que fez uma idêntica indagação a Ariosto - em saber de que fontes esse estranho ser, o escritor criativo, retira seu material, e como consegue impressionar-nos com o mesmo e despertar-nos emoções das quais talvez nem nos julgássemos capazes (FREUD).


 O que é literatura? Lajolo, na sua descomplicada narrativa, diz que a pergunta é complexa porque tem várias respostas. E não se tratam de respostas, segue a autora, que vão se aproximando cada vez mais de uma grande verdade, pois dentro de cada tempo, de cada grupo social tem, a literatura, a sua definição (p.25). Ainda que concorde com a simples e acertada colocação de Lajolo, de que a literatura não pode se encerrar em definições, uma vez que, produto humano que é, está em constantes transformações, nós, estudiosos da área de Letras, viemos trabalhando para tornar visível uma concepção de literatura que não só a de atividade transcedentalmente espiritual. A literatura apreendida como produto de inspiração divina, ou como Freud nos deixa subentendido - algo que possa ser bebido nas fontes de hipocrene -, é responsável por algumas  incompreensões acerca dessa arte e de seus estudos enquanto ciência. ( aqui artigo sobre processo criativo) .

Bourdieu, em suas análises sobre o campo literário, busca romper com a concepção de literatura entendida como um bem predominantemente espiritual, produzido pela inspiração de um artista individualmente. A perspectiva de Bourdieu é antes relacional, compreendendo as manifestações literárias a partir de posições ocupadas no interior de um Campo que, com suas leis e regras, determinam a incorporação de um habitus que opera no sentido de tornar invisível certas relações objetivas, conformadoras de práticas que tendem a reproduzir certos esquemas de pensamento. Existe para o autor, um princípio social estruturador das produções humanas, visto que seus produtores estão inseridos em um determinado espaço social (campo) que é estruturado a partir de lógicas, leis e crenças próprias e são constituidores de habitus que, específicos, são reproduzidos nas criações literárias e são estruturantes de tais obras. Aqui respondemos à curiosidade de Freud que se pergunta de onde o escritor retira seu material. Não poderia ser de outro lugar que não o mundo social em que está inserido.

Assim não o fosse, à literatura não seria apregoado o papel social de edificadora do homem, aqui representado na voz de Antonio Candido. O papel social da literatura diz respeito à identificação do leitor e de seu universo vivencial representados na obra literária. Para Candido a literatura é a transfiguração do real, e é nela que estão retratados os sentimentos humanos e as diversas formas de relação do homem com aquilo o que sente. Na literatura está às verdades de uma mesma condição humana, o que possibilita ao homem, ao ver seus costumes retratados, uma reavaliação da postura que assume. Ler é criar consciência do que somos, é examinar o mundo em que vivemos para transformá-lo no mundo em que gostaríamos de viver.

Bakhtin também se ocupou em desmistificar essa concepção “extraterrestre” de literatura, entendida como produto de uma consciência individual, isolada, localizada no reino de “puras ideias” e “formas transcendentes” (FARACO, p.48). O filósofo da linguagem nos alerta  que atrás do texto há sempre um sujeito, uma visão de mundo, um universo de valores com que se interage (idem, p.43). Ainda lembra, de saída, que todos os produtos da criação ideológica são objetos dotados de materialidade, isto é, são parte concreta e totalmente objetiva da realidade prática dos seres humanos (p.48).

Longe poderíamos levar essa discussão, mas economizemos espaço encerrando nossas considerações sobre literatura na visão freudiana, deixando, portanto, acordado que literatura é produto humano, sua fonte provém das relações e dos sentimentos possíveis entre humanos e o escritor é sim um homem comum, ainda que dotado de certa sensibilidade estética às coisas do seu mundo. Partamos para outros aspectos do texto freudiano, e nos delimitemos ao texto em si, que, além de belo,  traz interessantes conceitos de criatividade, realidade e fantasia, ainda que esses também merecessem discussões e conceituações além Freud.

A fantasia e a brincadeira são conceitos distintivamente apresentados por Freud nesse texto sob o qual nos debruçamos. A criatividade, para o autor, pode ser procurada na infância, no brincar da criança que diferencia o que é real e o que é fantasia tornando possível a encenação do mundo. O brincar da criança é determinado pelo desejo, no caso do infanto, o desejo de ser adulto, realizado sem vergonhas ou inibições, a criança está sempre brincando ‘de adulto’ e não tem motivos para ocultar esse desejo (p.151). Freud explica que para o homem nada é mais difícil quanto abdicar de um prazer que já experimentou, então, ao parar de brincar, ao crescer, a criança troca uma coisa pela outra, ou seja, em vez de brincar, agora fantasia.

A fantasia, por sua vez, é motivada pelos desejos insatisfeitos, toda a fantasia é uma correção da realidade insatisfatória (p.152), explica o psicanalista que divide a natureza de tais desejos motivadores da fantasia, em dois grupos naturais: os desejos ambiciosos - que elevam a personalidade do sujeito, e os desejos eróticos - que geram motivos para ocultamentos. Enquanto a criança no seu brincar não encontra vergonha, o adulto envergonha-se de suas fantasias por serem infantis e proibidas (p.151)..

Os escritores criativos são, na visão freudiana, sonhadores em plena luz do dia e suas criações, logo, são devaneios. Antes de considerarmos insanas as analogias do psicanalista, vejamos o que diz ele sobre devaneios e sobre tal associação aos profissionais da escrita criativa. A fórmula para explicar a comparação que nos apresenta Freud é um tanto quanto complexa, mas transcrevo-a. Diz ele:
Uma poderosa experiência no presente desperta no escritor criativo uma lembrança de uma existência anterior (geralmente de sua infância), da qual se origina então um desejo que encontra realização na obra criativa. A própria obra revela elementos da ocasião motivadora do presente e da lembrança antiga (p.156).
Melhor partirmos para outro tema! Sigmund Freud volta-se para a ligação entre o brincar infantil e a criação poética. É pensando nesse eixo infância-maturidade que ele apresenta a vivência que separa o brincar da realidade. Ao comparar o ato de escrever, o processo criativo, ao brincar da criança, ainda que não seja essa a intenção de Freud, uma leitora desavisada e freudianamente leiga, poderia interpretar que o psicanalista simplifica demasiadamente o ato de escrever. Escrever, criar arte literária é, para muitos, como podemos conferir em entrevistas e mesmo em teorias sobre o processo criativo, processo  árduo e mesmo dolorido. Escrever não é fruto de mero fantasiar, envolve um labutar com as coisas duras do mundo e do homem. Mas não intencionamos criticar ou travar embates com o pai da psicanálise, uma vez que sobre "o escrever" Freud é mestre e entende como ninguém! Que não me levem a mal, minhas palavras são frutos de minha leitura e foi para acomodá-las que criei este espaço.

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Palavra de Profissional: Em Escritores Criativos e Devaneio, pequeno ensaio de 1908, Freud lança as bases do que poderia se chamar de estética psicanalítica que se assenta na teoria, já esboçada por Aristóteles na Poética, de que há uma continuidade genética entre o brincar da criança e a criação artística. Para Freud, os elos mais importantes desta cadeia estão no sonho e no devaneio, como se o texto literário fosse um sonho do autor que por sua vez desencadeasse outros sonhos nos leitores. Tanto o autor ao produzir seu texto quanto o leitor realizam, simbolicamente, desejos reprimidos, tal como a criança faz através do seu jogo: manipula a realidade, cria “uma outra cena” onde tudo pode acontecer. Onde passado, presente e futuro misturam-se numa temporalidade sujeita apenas às rédeas do desejo. O que já foi voltará a ser; o que teria sido é presente para sempre. Tudo é possível graças ao fenômeno da “sedução estética”. Para Freud, a forma literária com sua inexplicável beleza tem a mesma função sedutora do “prazer preliminar” (Vorlust) no ato sexual: derrubar as barreiras da repressão permitindo a liberação de um prazer mais intenso e profundo (Endlust). 

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Comentários

  1. goto.de e muito. entroduÇâo.Bme esta.de .com .literatura e dicas.de viada ocortiÇo. aluisio azevedo,vou troduzi em texto.eu gosto mais mâo temho espaco para isto ? vc mi dâo uma chamce.eu adimiro .so poetas.sa poesia captaÇao do itantâoneo.obrigado todos pela Revista.iustradas.ok

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  2. Adorei o blog. Você escreve muito bem. Abraço.

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  3. Adorei o blog. Você escreve muito bem. Abraço.

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