Uma Introdução aos Estudos Culturais, de Ana Carolina Escosteguy




O artigo  Uma Introdução aos Estudos Culturais (pdf), de Ana Carolina Escosteguy,  tem por objetivo apresentar a tradição dos estudos culturais aos que se iniciam nesses estudos (especialmente estudiosos voltados às teorias da comunicação). Apresentamos um breve resumo do trabalho da autora.


1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA

*Os Estudos Culturais foram uma invenção britânica (hoje é um fenômeno internacional).

*É um movimento teórico – político:

Teórico – resulta da insatisfação com os limites de algumas disciplinas, propondo a interdisciplinaridade para se estudar a cultura (rede vivida de práticas e relações da vida cotidiana).
Político – sinônimo de correção política. Política cultural de vários movimentos sociais da época em que surgiu.

*Campo de estudos no qual diversas disciplinas se interseccionam no estudo de aspectos culturais da sociedade contemporânea.

* Três textos publicados nos finais dos anos 50 estabelecem as bases dos estudos culturais: Richard Hoggart (57) / Raymond Williams (58) / E.P Thompson (63)

* Em 1964 surge o CCCS – Center for Contemporary Cultural Studies, fundado por Hoggart e ligado ao centro Birmingham.

*A contribuição teórica de Raymond Williams é fundamental, basilar na formação dos Estudos Culturais, a partir do livro Cultura e Sociedade. Williams mostra que a cultura é uma categoria chave que conecta tanto a análise literária quanto a investigação social. Williams muda (amplia, reformula) o entendimento de cultura e essa mudança, no entendimento de cultura, tornou possível o desenvolvimento dos Estudos Culturais.

*Stuart Hall substitui Hoggart na direção do CCCS, em 1969 e permanece até 1979.

* Embora originalmente esteja amparado no marxismo, a história desse grupo está entrelaçada com a trajetória da New Left .



2. CONSTRUÇÃO DAS PERSPECTIVAS TEÓRICAS: DESLOCAMENTOS

O objetivo deste subtítulo é apontar, de forma sintética, “as rupturas e incorporações que contribuíram na construção da perspectiva teórica e das principais problemáticas desta tradição”. Seu período de afirmação deu-se na década de 70, logo, as perspectivas aqui examinadas estão resumidas a essa época. Refere-se, a autora, aos pontos-chave que mostram a influência de diferentes teóricos na formação dos Estudos Culturais(ESCOSTEGUY, 1997,p. 89)


1° Deslocamento:

O primeiro deslocamento dá-se na nova formulação do sentido de cultura:

Com a extensão do significado de cultura de textos e representações para práticas vividas, considera-se em foco toda produção de sentido. O ponto de partida é a atenção sobre as estruturas sociais (poder) e o contexto histórico enquanto fatores essenciais para a compreensão da ação dos meios massivos, assim como, o desprendimento do sentido de cultura da sua tradição elitista para as práticas cotidianas. (ESCOSTEGUY, 1998, p.90)
Ainda que de base marxista, os estudos culturais atribuem à cultura um papel que não é totalmente explicado pelo determinismo reducionista-econômico do marxismo cultural, resultando na contestação e crítica da metáfora base-superestrutura.

A perspectiva marxista contribuiu para os estudos culturais no sentido de compreender a cultura na sua “autonomia relativa”, isto é, ela não é dependente e nem é reflexo das relações econômicas, mas tem influência e sofre consequências das relações político-econômicas. (ESCOSTEGUY, 1998, p. 90)

2° Deslocamento:

Trata-se da relação entre práticas culturais com o econômico, político e instâncias ideológicas. Influência forte de Althusser que argumentava que as estruturas são complexas e existem várias forças competindo e em conflito compondo uma complexa unidade – a sociedade.


3° Deslocamento:

Diz respeito ao conceito de ideologia, proposto por Althusser. Esta é vista enquanto “provedora de estruturas de entendimento através das quais os homens interpretam, dão sentido, experienciam e ‘vivem’ as condições materiais nas quais eles próprios se encontram”. (Hall 1980: 32).

O conceito de ideologia aqui é que leva o interesse dos Estudos Culturais para os mass media. Como os estudos culturas nesta primeira etapa estava ligado a Escola de Birmingham, as pesquisas estavam limitadas a áreas restritas (linguagem, música, subculturas, etc). Com os desafios de explicar e aplicar o conceito de ideologia é que os interesses pelos meios de comunicação social ganharam destaque.

Discordando do entendimento dos meios de comunicação de massa (MCM) como simples instrumentos de manipulação e controle da classe dirigente, os estudos culturais compreendem os produtos cul¬turais como agentes da reprodução social, acentuando sua natureza complexa, dinâ¬mica e ativa na construção da hegemonia. (ESCOSTEGUY, 1998, p. 91)
A teoria da hegemonia de Gramsch é fundamental para os Estudos Culturais, pois mostra como a mudança pode ser construída dentro do sistema. Propõe ele, grosso modo, o intercâmbio entre as diferentes culturas, uma troca entre as culturas dominantes (hegemônicas) e as culturas populares.

Na prática o que acontece é um sutil jogo de intercâmbios entre elas. Elas não são vistas como exteriores entre si mas comportando cruzamentos, transações, intersecções. Em determinados momentos a cultura popular resiste e im¬pugna a cultura hegemônica, em outros reproduz a concepção de mundo e de vida das classes hegemônicas. (ESCOSTEGUY, 1998, p. 91)

O Centro de Birmingham, de sua fundação até início dos anos 80, esteve a frente dos Estudos Culturais, promovendo problemáticas e temas. A partir dos anos 80 a partir da influencia de importantes teóricos franceses como Foucault, Bourdieu e Certeau, entre outros, dá-se a internacionalização dos Estudos Culturais.



3. CONTORNOS DA ATUALIDADE:


É interessante notar as diferenças entre os “primeiros” estudos culturais e os dos anos 90. Identifica-se uma primeira fase embrionária que se inicia com os textos precursores, já citados, passando para a instalação do Centro de Birmingham e sua abundante produção até o final dos anos 70/início dos 80, numa etapa de consolidação, e uma terceira fase, de internacionalização, de meados dos oitenta até os dias de hoje. (ESCOSTEGUY, 1998, P.92)

1° momento (finais anos 50/anos 60)

*Forte relação com iniciativas políticas e relação com diversas disciplinas.

*Ênfase na compreensão das relações entre poder, ideologia e resistência.

*Foco na relação cultura/ comunicação massiva e dentro desta, as problemáticas que enfocam as culturas populares e suas estratégias interpretativas.

*No final dos anos 60 a temática da recepção e o consumo midiático chamam a atenção de Birmingham.


2° momento (ano 70/80)

*A recepção ainda preocupa os teóricos da Escola de Birmingham. Hall se preocupa com as modalidades de recepção dos programas televisivos:

Argumenta [Hall], também, que podem ser identificadas três posições hipotéticas de interpretação da mensagem televisiva: uma posição “dominante” ou “preferencial” quando o sentido da mensagem é decodificado segundo as referências da sua construção; uma posição “negociada” quando o sentido da mensagem entra “em negociação” com as condições particulares dos receptores; e uma posição de “oposição” quando o receptor entende a proposta dominante da mensagem mas a interpreta segundo uma estrutura de referência alternativa. (ESCOSTEGUY, 1998, p. 92)

*A problemática recai sobre a problemática da dominação o que produz o encontro dos Estudos Culturais com os estudos feministas, depois acrescendo as questões de raça e etnia.

*Na década de 80 multiplicam-se os estudos de recepção dos meios massivos. As investigações se redirecionam e passa-se a dar atenção ao trabalho etnográfico.

*Algumas das pesquisas empíricas dessa época apontavam para a importância do ambiente doméstico e das relações dentro da família na formação das leituras diferenciadas.


3° momento (anos 90)

*O desejo de explorar o potencial para a resistência e a significação de classe.

*Preocupação em recuperar as “leituras negociadas” dos receptres/ valorização da liberdade individual do receptor e subvalorização dos efeitos da ordem social.

*Temática em torno da subjetividade e identidades.

Existem outros eixos importantes de serem avaliados na etapa presente dos estudos culturais. Entre eles estaria a discussão sobre a pós-modernidade ou a “nova era” (no original, new times) como é proposto por Hall, a globalização, a força das migrações e o papel do Estado-nação e da cultura nacional e suas repercussões sobre o processo de construção das identidades. No entanto, estes fogem do propósito inicial deste traba¬lho de iniciação aos estudos culturais, (ESCOSTEGUY, 1998, p. 93)
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REFERÊNCIA:
ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. Uma introdução aos estudos culturais. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 9, dez. 1998.


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