Literatura Infanto-Juvenil: As Viagens de Gulliver - Jonathan Swift


“As viagens de Gulliver” é uma obra de ficção que brinca com o imaginário do leitor infanto-juvenil, conduzindo esses jovens a uma fantástica viagem aos mundos do Dr. Gulliver. As criaturas minúsculas de Lilipute; os gigantes de Brobdingnag; os sábios obcecados por astronomia, música e matemática da ilha flutuante de Laputa; os primitivos Yahoos, seres semelhantes ao homem de Neandertal; os inacreditáveis Houyhnhnms, cavalos racionais e em tudo superiores ao gênero humano - viajar com Gulliver é conhecer alguns personagens fantásticos que marcaram seus nomes no imaginário adulto, infantil e juvenil por várias gerações.

Mas não é só isso. Jonathan Swift (1667-1745) projeta, em sua obra, realidades de sua época e ao mesmo tempo em que conduz o leitor nesta “viagem”, apresenta com muito humor, desafiando a inteligência e percepção do juvenil leitor, algumas críticas as desigualdades sociais, ridiculariza o preconceito e a sociedade que diferencia as pessoas e as discrimina por motivos estúpidos como, por exemplo, os cidadãos de Lilipute que se diferem pelo uso ou não de sapatos de salto alto.

Mesmo sendo adaptada para o público infanto-juvenil, a obra de Swfit não fora criada especificamente para esse grupo de leitor. Originalmente era destinada ao público adulto do começo do século XVIII, mais tarde somente é que fora adaptada para a infância. Diante desse fato é impossível não se questionar: Então o que faz com que livros de autores, como Jonathan Swfit, ainda que não exclusivamente dedicados às crianças tenham sido e ainda sejam textos tão apreciados pelo público infantil?

Cecília Meireles em seu livro Problemas da literatura infantil traz algumas referências sobre esta questão que foi pesquisada e trabalhada pela aluna Ariane Gomes de Lima , da FUESP, que em seu trabalho concluiu que:
“Os textos desses autores são marcados pela arte de lapidar a palavra, ou seja, são elaborados pela mão cuidadosa que trabalha com esmero na produção de textos que proporcionam prazer e refletem a beleza da palavra escrita. São textos que permitem o pensamento, a interrogação, o sonho e a possibilidade de ligar-se com a humanidade (desse e de outros tempos.).São textos que ora brincam com as palavras, ora aproximam conceitos díspares, ora provocam a crítica e a reflexa. Os autores e seus livros permanecem porque não têm prazo de validade, nem perdem a garantia... São livros, assim como afirmou o poeta Pedro Salinas, que prestam ao espírito do homem um serviço da mais alta qualidade”.

A autora Regina Zilberman também trata desta questão, a literatura destinada a adultos adota por leitores infanto-juvenis, em seu artigo Sensibilização para a leitura (leia aqui), no qual analisa especificamente a obra de Swfit, com que cita:

“O romance de Swift, crítico virulento e azedo da sociedade de seu tempo, agradou tanto a infância, que acabou deixando a versão original para trás, porque:
a) a viagem é um dos temas que mais agrada ouvintes e leitores de histórias. Walter Benjamin já chamou a atenção para o fato de que as pessoas apreciam muito ouvir o relato dos viajantes que vieram de longe e contam aventuras vividas em outros lugares (Benjamin, 1985).
b) Gulliver, a cada viagem, precisa adaptar-se aos costumes das civilizações que encontra. Em Liliput, é grande demais, e seu gigantismo é considerado ameaçador; em Broddingnog, é muito pequeno, o que o deixa inseguro. Pode-se perceber como Gulliver sintetiza a situação da criança na família e na sociedade, pois, dependendo da circunstância, ela pode ser considerada suficientemente crescida para atuar de maneira responsável; ou então, muito frágil e imatura, sendo então impedida de tomar decisões próprias ou agir de modo independente.”


A medida em que apresenta outros mundos o autor faz uma reflexão acerca do mundo em que vive, ou seja, o mundo ao qual o leitor faz parte. Todo o homem, ao menos em quanto jovem, já “viajou” nesta temática: ‘como seria um mundo diferente do que vivo’. Todo o jovem já se viu em meio a situações em que gostaria de viver em um mundo ficcional, seja a terra ideal sem desigualdades, ou um mundo feito de doces; um mundo sem pais ou um lugar onde as crianças não crescem. Logo podemos deduzir que a obra de Swfit brinca justamente com esse devaneio próprio do adolescente: “Como seria um mundo em que..”

Assim como Lewis Carroll, em Alice no País das Maravilhas, Jonathan Swift também personifica a situação da criança e do adolescente e suas questões existenciais em busca da identidade, a medida em que joga com “estar grande, estar pequeno” em determinadas e variadas situações, ou seja, ora o infanto tem que agir como adulto, ora como criança.

Zilberman diz também que o jovem leitor de As Viagens de Gulliver pode identificar-se com Gulliver ao lembrar, por exemplo, uma circunstância em que se sentiu apequenado pelos outros, como acontece ao protagonista na segunda viagem. Ou o contrário: quando passou por uma situação em que teve de ser o “gigante”, resolvendo problemas dos que se sentiam limitados demais para enfrentá-los.

Mesmo destinado a adultos, com humor, ironia e fantasia, Swift inventou outros mundos para enquadrar em uma perspectiva crítica o mundo que conhecia. Com essa técnica, conduz seu leitor a refletir sobre o seu mundo, projetado a mundos surreais e fantasiosos. O resultado foi uma realização literária única e atemporal. Sendo destinadas para adultos ou para o público infantil o certo é que a obra possui uma qualidade de estilo irresistível a qualquer público e segundo Cecília Meirelles:

"o certo, porém, é que os livros que têm resistido ao tempo, seja na Literatura Infantil, seja na Literatura Geral são os que possuem uma essência de verdade capaz de satisfazer à inquietação humana, por mais que os séculos passem. São também os que possuem qualidades de estilo irresistíveis cativando o leitor da primeira à última página, ainda quando nada lhe transmitam de urgente ou essencial”. (in Problemas da literatura infantil, 1950)
Fonte: Trabalho "As Viagens de Gulliver" por Angela Mendez.


CURIOSIDADES:

1. Yahoo! – Representado por: Yet Another Hierarchical Officious Oracle ("Um Outro Oráculo Oficioso Hierárquico"). A palavra “Yahoo”, que você certamente conhece, foi originalmente usada no livro "Viagens de Gulliver" e descreve alguém "repulsivo na aparência e raramente humano”. Os fundadores do Yahoo brincam que eles são Yahoos.
(Fonte: http://googlediscovery.com/2007/04/07/origem-dos-nomes-das-empresas-de-tecnologia/)


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